in Visão
Os sucessivos casos de criminalidade violenta em Loures são potenciados pela construção massiva de bairros sociais, uma opção que está ultrapassada do ponto de vista arquitectónico e urbanístico, defendeu hoje uma das autoras do Plano Estratégico de Habitação e especialista em Sociologia Urbana, Isabel Guerra.
"Essa é uma solução do ponto de vista arquitectónico e urbanístico que já provou que não é a mais adequada, mas em Portugal continua a ser uma opção. É uma solução que no contexto europeu já não é utilizada desde os anos 70", afirmou Isabel Guerra, investigadora do Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, em declarações à agência Lusa.
Segundo a responsável, estudos indicam que a concentração de população socialmente homogénea, mesmo quando é culturalmente heterogénea, traz problemas de socialização negativa, sobretudo entre os mais novos, gerando abandono escolar precoce e predominância de comportamentos menos disciplinados, entre outras atitudes.
"São comportamentos que acabam por ter um efeito colectivo visível. Situações como a que sucedeu na Quinta do Mocho acabam por ter um efeito perverso que é marcar negativamente o bairro, quer para quem lá habita, quer para a imagem pública desses bairros. Como se as restantes famílias que habitam nos bairros sociais não tivessem um comportamento ordeiro no seu dia-a-dia", afirmou.
Para Isabel Guerra, uma das autoras do Plano Estratégico de Habitação, a solução deveria passar pelo "apoio à família e não pelo apoio à pedra". No seu entender, deveria ser aproveitado o mercado imobiliário de forma a que as famílias possam ser alojadas de forma dispersa. O Estado, acrescentou, deveria apoiar no arrendamento, cobrindo o valor que o agregado familiar não conseguisse suportar.
"Os estudos dizem que as pessoas têm um grande prazer pela casa, mas um grande desgosto pelo bairro. A passagem de barracas a alojamento em altura em bairros sociais permite melhores condições de habitação, mas muito piores condições de sociabilidade, vizinhança e integração", reforçou.
Outra das saídas, defendeu, seria a miscigenação deste tipo de bairros: 20 por cento dos fogos deveriam ser disponibilizados para o arrendamento jovem ou para casais em início de vida.
Questionada sobre o porquê desta ainda ser uma opção para muitas autarquias, Isabel Guerra considerou que as câmaras municipais não dispõem praticamente de terrenos que permitam construir pequenas unidades integradas no tecido urbano. Por outro lado, criticou a ausência de políticas públicas gerais que valorizem outro tipo de soluções.
"O Plano de Erradicação de Barracas contemplava um programa em que as famílias iam ao mercado escolher uma habitação com um determinado 'plafond' definido pelo Estado. Esta foi uma solução que não foi avaliada do ponto de vista público mas que me parece bem mais ajustada do que continuar a construir", afirmou.
Carlos Poiares, especialista em psicologia criminal, também defende que as autarquias devem criar equipas multidisciplinares para intervir rapidamente no terreno, de forma a conter o aumento deste tipo de criminalidade, que atribui à falta de planeamento urbanístico.
"Esta criminalidade cada vez mais violenta não se resolve apenas com a polícia de proximidade, mas passa por as câmaras terem primeiro a coragem e a ousadia de disponibilizarem verbas para contratarem equipas multidisciplinares, suficientemente apetrechadas e capazes de trabalhar em bairros da cintura de Lisboa", afirmou à agência Lusa Carlos Poiares, salientando que esta intervenção tem de ser feita no terreno e "rapidamente".
O professor universitário defende que estas equipas devem ser constituídas por "especialistas em comportamentos que sejam capazes de trabalhar ao nível da inclusão e exclusão social, psicólogos clínicos e outro pessoal especializado", e não apenas por "meros assistentes sociais, como é habitual em Portugal".
"Tem de haver um trabalho programado, com verbas cedidas pelas câmaras e poder político", sublinhou.
Para o especialista, a "criminalidade cada vez mais pesada, cada vez mais violenta" que se tem verificado - como "o assalto violento a um banco há uma semana ou a morte de um jovem na Quinta do Mocho" - assenta num denominador comum: "a falta de estruturação das cidades".
"Em Portugal temo-nos esquecido, regra geral, de resolver os problemas dos realojamentos antes de os fazermos. Imaginamos que as pessoas querem todas ir para bairros de pedra e cal, com mais cimento e betão armado, e esquecemo-nos que muitas dessas pessoas são integradas em espaços urbanos sem serem incluídas. Há uma integração forçosa, exógena e não há uma inclusão", considerou.
O docente da universidade Lusófona criticou este modelo de "reprogramação das pessoas" utilizado pelas autarquias, que "não atende à verificação de quem se vai incluir, se não haverá eventualmente problemas e conflitualidade mais ou menos violenta entre as comunidades que se vão incluir", contribuindo para o desencadear de problemas de violência.
Carlos Poiares explica que em Portugal, Espanha e França existem cada vez mais anéis populacionais problemáticos que se vão reforçando à volta das grandes cidades, como acontece em Loures, onde "tem sido feita uma integração mais ou menos selvática e exógena das populações", sendo que a autarquia "não foi capaz, até ao momento, de criar uma estrutura capaz de prevenir e trabalhar estas situações".
MLS/RCS. Lusa/Fim