8.8.08

“Cada vez há mais pobreza envergonhada”

o Mirante

Padre José da Graça é responsável pela única delegação do Banco Alimentar contra a Fome na região

Consagrou a sua vida aos outros e é assim que se sente bem. Responsável pelo Banco Alimentar Contra a Fome de Abrantes e por uma comunidade terapêutica para toxicodependentes, o padre José da Graça é uma figura conhecida e respeitada na cidade onde reside há muitos anos. Já foi convidado para ser candidato à câmara e recusou. Não acredita nos políticos, embora reconheça que há excepções. Voz desassombrada, defende o celibato dos padres e diz que a caridade é a vertente mal amada da Igreja.

É responsável pela única representação do Banco Alimentar Contra a Fome na região. Esse tipo de organismos faz cada vez mais sentido na nossa sociedade?

Aqui vem bater todos os dias gente a pedir. Há uns tempos se eu dissesse que lhes dava alimentos, eles respondiam que nem pensar. Queriam era dinheiro. Hoje ninguém pede dinheiro para comer. Porque cada vez há mais pobreza envergonhada. Esse é um fenómeno novo que nos passa ao lado.

As pessoas já não sabem controlar os seus rendimentos e as suas despesas?

Um dos problemas é esse. As pessoas não sabem gerir o pouco que têm. Hoje as pessoas estafam tudo aquilo que têm. Há uma educação a fazer que não pode ser adiada. E creio que nessa educação, numa linha de preparação para a vida, o Estado tem que encontrar também alguma resposta. Os serviços do Estado em vez de estarem tanto em gabinetes têm que estar mais cá fora.

As pessoas deixaram de se preocupar tanto com o futuro e vivem mais o imediato. Daí não se preocuparem com a poupança, por exemplo.

As pessoas querem o gozo de agora, do dinheiro que têm agora. E acontece que cada vez mais se endividam. Com a facilidade que hoje se obtém dinheiro a crédito a situação ainda piora.

Enquanto sacerdote tem a preocupação de alertar os seus fiéis para esse tipo de questões?

Evidentemente. Esses problemas não me passam ao lado. Não basta dizer que temos de exercer a caridade, mas também educar para a vida e para a responsabilidade. Para que as pessoas utilizem bem aquilo que têm. E a verdade é que os pobres muitas vezes tornam-se mais pobres por culpa própria.

A caridade por vezes não leva a que essas pessoas se conformem, se acomodem?

Não acredito muito, porque aquilo com que se ajuda não é o suficiente para a pessoa viver. Mesmo o Banco Alimentar Contra a Fome tem obrigação de ajudar as situações mais candentes. E tem que apostar exclusivamente nos mais pobres.

Como fazem essa triagem? Têm os casos identificados? Exigem comprovativos?

Rigorosamente devia ser assim. Mas são casos mais ou menos identificados. E não entregamos donativos directamente às pessoas, entregamos a instituições ou grupos que estão no terreno para esse trabalho. E é aí que tem de haver muita seriedade para não darem aos amigos mas darem aqueles que mais precisam.