1.8.08

Pobreza e Direitos Humanos

Isabel Roque de Oliveira, in Agência Ecclesia

Comemora-se neste ano de 2008 o 60º aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual, no seu Preambulo, começa por reconhecer que a dignidade é inerente a todos os membros da família humana e que um mundo livre de miséria é a maior aspiração da humanidade.

É esta data uma boa oportunidade para uma breve reflexão acerca da forma como tão inspiradores Princípios foram, ou não, capazes de influenciar a evolução das nossas sociedades e, em particular, se eles têm contribuído para reduzir a incidência e a severidade da pobreza.
Cada vez mais se reconhece, a nível internacional, que existe uma ligação entre a erradicação da pobreza e a defesa dos direitos humanos e que a forma como os pobres são obrigados a viver viola direitos humanos fundamentais, como sejam o direito à vida, incluindo neste o alimento, a habitação, os cuidados de saúde ou o acesso à educação. Por outro lado, a promoção destes contribui para aliviar a pobreza. No dizer de Pierre Sané «a pobreza é, simultaneamente, causa e efeito da negação total ou parcial de direitos humanos a nível global. É uma questão de justiça global.»

Assim sendo, há que passar de uma visão estratégica de combate à pobreza, que atende sobretudo à satisfação das necessidades mais imediatas dos pobres, para uma outra baseada nos direitos que lhes assistem e cuja concretização plena exige e implementação de estratégias de remoção das causas.

É certo que são várias as normas internacionais de direitos humanos que podem estar na base de algumas estratégias seguidas no combate à pobreza: por exemplo, ao ser criada uma rede de apoio social está de facto a ser reconhecido o direito inalienável a padrões de vida minimamente aceitáveis, a uma alimentação suficiente e equilibrada, à protecção na doença, à habitação digna, à educação e à segurança social.

De igual forma, a tónica que certas estratégias de combate à pobreza colocam na participação da sociedade civil e no empoderamento dos pobres reflecte direitos internacionalmente consagrados atribuídos aos indivíduos e às associações que os representam.

Contudo, para que estes direitos sejam de facto usufruídos são necessários níveis mínimos de segurança económica e de bem estar, liberdade de associação e de expressão e acesso à informação. Poderá então ser o não reconhecimento da indivisibilidade dos direitos humanos uma das razões para os resultados insatisfatórios registados, que os conhecidos indicadores de pobreza e injusta desigualdade evidenciam. Outra explicação poderá ser a de que, não existindo obrigatoriedade de prestação de contas, tanto os direitos como as obrigações correspondentes não passem de meras ilusões.

Impõe-se então a necessidade de criar mecanismos eficientes que permitam zelar pelo respeito por aqueles direitos e pelo cumprimento das obrigações. Que tipo de soluções podem ser propostas? Será necessário e eficaz recorrer à intervenção do sistema judicial ou podem existir outras formas de intervenção mais ligeiras, mas com capacidade de prevenir ou sancionar os desvios no cumprimento de planos ou programas de luta contra a pobreza?

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, de entre as formas possíveis de obrigar à prestação de contas, é possível distinguir quatro grandes grupos:

- a via judicial, incidindo sobre actos ou omissões;

- a via quase judicial, por exemplo, a criação da figura do Provedor ou o recurso a organizações que zelam pelo cumprimento dos tratados internacionais sobre direitos humanos;

-a via administrativa, por exemplo através da publicação de relatórios acerca do impacto de certas medidas sobre os direitos humanos;

-a via política, por exemplo através da intervenção dos Parlamentos.

Estas vias não são mutuamente exclusivas. Cabe a cada sociedade optar pela combinação de soluções que melhor permita servir os seus objectivos no tocante às estratégias de combate à pobreza, garantindo, em qualquer caso, que os mecanismos criados tenham condições de funcionamento correcto, sejam transparentes e, sobretudo, acessíveis aos pobres.

Em Portugal, há ainda um caminho a percorrer nesta matéria para que se possa garantir o direito à não pobreza. Em todo o caso parece-nos de sublinhar a constatação de uma crescente consciencialização, em múltiplos sectores da sociedade portuguesa, acerca da urgência de actuar neste domínio. É já um sinal de esperança uma adesão muito forte (mais de 22.000 pessoas) a uma petição da iniciativa da CNJP dirigida à Assembleia da República, em resposta à qual todos os partidos aí representados subscreveram uma Resolução que reconhece a pobreza como violação de direitos humanos, estabelece um limiar oficial de pobreza e cria um mecanismo parlamentar de observação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para a sua erradicação.

Julgamos que este «exercício de responsabilização» a nível nacional, ganharia em ser replicado a nível descentralizado, designadamente nas redes sociais concelhias, onde entidades públicas, privadas. IPSS, ONG, se empenham em conjunto por contribuir para uma sociedade mais inclusiva.