Aleaxandra Marques, in Jornal de Notícias
Novo Tratado permitirá queixas na ONU contraum Estado que não assegure direitos de subsistência
Uma jurista portuguesa chefiou o grupo de trabalho que fez o novo Tratado da ONU, que admite que se apresentem queixas contra um país por este, alegadamente, violar o direito ao trabalho, à saúde ou à protecção social.
Aprovado há quatro meses, na sede europeia da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, o novo Tratado de Direitos Humanos permitirá que cidadãos apresentem precisamente na ONU uma queixa contra o seu próprio país, quando entendam terem sido violados os seus direitos económicos, sociais e culturais. A surpresa é que teve como condutora uma portuguesa.
Catarina Albuquerque, que presidiu ao grupo de trabalho durante quatro anos (de Fevereiro de 2004 a Abril último) explicou ao JN de que tratam, por exemplo, o direito à alimentação, à água, ao trabalho ou à segurança social. Chama-lhes "direitos básicos de subsistência".
O Protocolo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais - assim se chama, em rigor, o documento - deverá ser aprovado na sessão de Outono da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Ainda assim, só entrará em vigor, depois de ser ratificado por um mínimo de dez estados. A partir desse momento poderá ser usado em defesa das vítimas de violações de direitos económicos, sociais e culturais.
Para a jurista portuguesa, este pequeno passo pode considerar-se, na verdade, gigantesco. Porque irá cobrir uma série de direitos cuja queixa na ONU não estava prevista e que abrange o direito à habitação, à saúde, à educação, à protecção social. No fundo, todos os direitos sociais que eram postos à margem, ou não eram simplesmente tidos em conta, quando se tratava de reclamar o seu cumprimento.
"Quer isto dizer que uma pessoa vítima de tortura podia apresentar uma queixa à ONU, mas se fosse 'meramente' vítima de má nutrição crónica, fome ou falta de acesso a cuidados de saúde, estava completamente desamparada no plano internacional", salienta a docente e doutoranda em Direito Internacional, na Universidade de Aix-Marseille, em França.
Ao JN, a jurista afirmou que tudo o que é feito em prol dos Direitos Humanos se processa muito lentamente. Equipara-se até ao "um trabalho de formiguinha", já que os resultados só ocorrem 'a posteriori' e por vezes ficam aquém do que seria desejável.
De qualquer modo, sem alternativas, o melhor é - como refere Catarina Albuquerque - "ir metendo uma lança em África".
Comprometer significa fazer com que um país subscreva um Protocolo deste teor, de forma a ficar comprometido com o que subscreveu, para depois ser possível à ONU pedir (às autoridades oficiais desses Estados) relatórios, números e, nalguns casos, autorização para deslocações de peritos independentes ao terreno.
Só assim há possibilidade de entidades exteriores analisarem a situação, criticarem se for caso disso e pressionarem, no sentido de que seja promovida uma maior eficácia no cumprimento dos Direitos Humanos.
A jurista gostaria que Portugal fosse o primeiro país a ratificar o novo tratado. Na tradição de ter sido o primeiro Estado europeu a abolir a pena de morte para crimes civis (em Julho de 1867).
Desde 1966 que era possível apresentar queixa por alegadas violações aos direitos civis e políticos, por restrições ao exercício da liberdade religiosa ou de opinião. Mas em matéria de direitos económicos, sociais e culturais não havia qualquer mecanismo de salvaguarda para os particulares.