Nuno Miguel Maia, Jornal de Notícias
Uma juíza de Felgueiras condenou cinco indivíduos de etnia cigana por agressões contra militares da GNR referindo recentes episódios na Quinta da Moura e Abrantes contra polícias como argumentos para elevar as penas.
"Finalmente, à excepção do arguido Paulo J. , são pessoas malvistas, socialmente marginais, traiçoeiras, integralmente subsidio-dependentes de um Estado (ao nível do RSI, da habitação social e dos subsídios às extensas proles) e a quem 'pagam' desobedecendo e atentando contra a integridade física e moral dos seus agentes e obstaculizando às suas acções em prol da ordem, sossego e tranquilidade públicas".
A frase é da autoria da magistrada Ana Gabriela Freitas e é das mais fortes (ver outras em caixa ao lado) de uma sentença em que cinco homens foram condenados por, em 7 de Janeiro de 2006, terem agredido vários militares da GNR que pretendiam pôr termo a uma "festa" com tiros num bairro social daquela cidade, por incomodar os restantes habitantes.
Um foi condenado a 18 meses de prisão efectiva, dois a 12 meses, por crimes de resistência e coacção sobre funcionário. Os dois restantes, foram punidos com pena de multa, por não terem antecedentes criminais.
Na decisão, que não foi lida perante os arguidos, dispensados de ir à última sessão, a titular do 2.º juízo do Tribunal de Felgueiras cita ainda frases fortes proferidas pelos soldados da GNR como testemunhas para sustentar os factos provados, além de frases dos relatórios sociais dos arguidos, que dão conta dos valores recebidos do "rendimento social de inserção". Entre outras expressões, os arguidos são descritos como "clientes habituais" da GNR, cujos elementos chamavam ao bairro "Cova da Moura cigana".
Gabriela Freitas - conhecida por ter sido a juíza que recebeu Fátima Felgueiras em 2005, quando esta regressou do Brasil, tendo aplicado apenas a medida de coacção de proibição de ausência para o estrangeiro, considerando "aparente" a "fuga" - provocou várias reacções. Um dos arguidos, soube o JN, pondera apresentar queixa-crime e participação disciplinar contra a juíza.
Além de recorrer, o advogado Pedro Carvalho diz que "há desnecessidade" nos comentários. "Não podemos esquecer que os arguidos, mesmo condenados, têm direito à honra e bom nome".
O Alto-Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural pondera queixar-se da juíza do Tribunal de Felgueiras ao Conselho Superior da Magistratura. À agência Lusa, Rosário Farmhouse escusou-se a comentar a sentença, mas disse que considerações "genéricas" sobre a comunidade cigana têm um "teor xenófobo".
"Estou perplexa como é que numa sentença se fazem acusações tão genéricas relativas a uma comunidade, tomando a parte pelo todo", disse, no que foi acompanhada pelo presidente da Federação das Associações Ciganas de Portugal, Bruno Rodrigues.
Já depois de ter lido a decisão, Vítor Marques, fundador da União Romani e professor universitário, classificou como "discurso lamentável quer dos militares da GNR, quer da juíza". "Vamos endereçar pedidos de explicações aos ministros da Justiça e da Administração Interna e endereçar cartas ao Provedor de Justiça, ao primeiro-ministro e ao Presidente da República". "O Tribunal não tem o direito de ter este discurso. Tem de ser imparcial e não pode utilizar linguagem destrutiva. Isto independentemente dos actos cometidos pelos arguidos. Ninguém está acima da lei e qualquer agente da autoridade tem de ser respeitado. Mas são planos diferentes. O tribunal deve julgar atitudes, não pode julgar valores", argumentou, ao JN, acentuando que a comparação com os incidentes na Quinta da Fonte, Lisboa, "é um juízo prévio" sobre o sucedido.
Contactado ontem pelo JN, António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes, não quis comentar a polémica, mas explicou que pondera emitir, hoje, um comunicado sobre o assunto.