Éric Favereau, Cidade do México, in Jornal Público
Novas urgências planetárias e financiamentos futuros por garantir são sinais de preocupação. Mas já muito se progrediu neste combate
Mas onde estão os políticos? Quando começa, hoje, a Conferência Mundial sobre a Sida, eles serão os grandes ausentes. Só uma mão-cheia de chefes de Estado decidiu deslocar-se ao México. O mesmo acontece com os ministros da Saúde. Terá mudado a ordem das prioridades mundiais?"
Com a saída de Kofi Annan da ONU, mas também com a saída de Jacques Chirac ou com o afastamento cada vez mais marcado de Nelson Mandela, há um verdadeiro problema de liderança mundial na luta contra a sida", nota Michel Kazatchkine, director do Fundo Mundial de Luta contra a Sida. "Haverá uma passagem de testemunho, mas ainda não se percebe para quem. Já havia sinais deste problema: em 2006, no congresso mundial de Toronto, o primeiro-ministro canadiano não esteve presente.
"A conferência do México - onde estarão mais de 20 mil clínicos, investigadores, doentes e associações - será a oportunidade para verificar a realidade dos compromissos e o peso das promessas. Uma espécie de barómetro do estado da mobilização mundial.
A dinâmica lançada vai continuar ou ser ampliada? Ou o mundo vai contentar-se com as promessas de ontem e virar-se para outras urgências planetárias? Há um número que resume os desafios futuros: em 2008, enquanto duas pessoas começam a receber tratamento, há outras cinco que são contaminadas. Em resumo, a corrida para quebrar a cadeia de transmissão permanece urgente. Quanto mais demorarmos, mais a contaminação progride.
Concorrência
Na véspera da abertura desta conferência, há novas inquietações. Último sinal de alerta, seguramente o mais perturbante: a reunião do G8 de Hokkaido (Japão), do início de Julho. Pela primeira vez em anos, a cimeira quase não referiu a sida. Serviços mínimos. Nenhuma nova medida ou financiamento anunciados. Todos os observadores notaram que os temas em debate foram outros. Novas urgências planetárias impuseram-se, como o aquecimento global, mas também a crise alimentar mundial, com os motins da fome.
Como resistir a esta "concorrência"?
"O silêncio do G8 foi pesado", diz Eric Fleutelot, responsável das acções internacionais do grupo Ensemble Contra le Sida. "É certo que saíram do G8 270 milhões de euros e em 2005 só tinham saído 250. Mas os 270 não são os 300 que estavam previstos."Michel Kazatchkine corrige: "A saúde e as doenças infecciosas continuaram a ser importantes no G8. Para o Fundo Mundial, temos compromissos de 38 mil milhões de euros para cinco anos. Em simultâneo, mantém--se o objectivo de alcançar o acesso universal ao tratamento em 2010. É verdade que aparecem outras prioridades. O Japão enfrenta dificuldades orçamentais consideráveis. Quanto aos Estados Unidos, mantêm os seus compromissos, mas também estão num período difícil".
Mas Eric Fleutelot insiste nas queixas: "Diga-se o que se disser, os financiamentos futuros não estão garantidos". Multiplicam-se outros sinais preocupantes.
Vacinas
No mês passado, o laboratório farmacêutico suíço Roche decidiu suspender a investigação de novos medicamentos contra a sida "por falta de resultados nos estudos em curso". Os EUA também decidiram pôr fim ao projecto de ensaios clínicos em grande escala para uma vacina anti-sida, na sequência de dúvidas sobre a sua eficácia. Uma decisão tanto mais inquietante quando acontece um ano depois do fim dos ensaios no laboratório americano Merck, que eram tidos como dos mais prometedores. Hoje, a busca de uma vacina parou.Foram realizados esforços consideráveis no combate à sida: em sete anos, a ajuda aos países em desenvolvimento multiplicou-se por seis. Quem teria imaginado, no congresso mundial de Barcelona, em 2002, quando o Fundo Mundial acabara de ser criado, que seis anos mais tarde perto de três milhões de pacientes estariam a ser tratados?
Acrescenta Michel Kazatchkine: "Podemos considerar que estamos longe de cobrir as necessidades. Em teoria, faltam 25 mil milhões de dólares por ano, numa altura em que nos aproximamos dos 11 mil milhões. Mas é preciso analisar a procura, a capacidade dos países em desenvolvimento de receberem esta ajuda. Antes, a procura era fraca porque estes países não tinham condições para absorver toda a ajuda no tratamento da sida. A mudança é espectacular: no México, vamos anunciar que, pela primeira vez, a procura estará próxima da oferta".
Orçamento
Outro sinal de optimismo: o voto, no mês passado, no Congresso americano, de 50 mil milhões de dólares, para financiar nos próximos anos programas contra a sida. A soma é impressionante. Mas, notam os cépticos, não se trata de um orçamento: o Congresso só deu autorização à Administração para gastar este valor.Kazatchkine conclui que "há sempre razões para estarmos inquietos". "Mas hoje diria o que vou dizer no México, parabéns! Nunca estivemos tão bem. Há dez anos os tratamentos eram 10 mil dólares. Hoje custam 82 dólares por ano e por paciente." Exclusivo PÚBLICO/Libération