3.4.12

Governo acusado de "preconceito ideológico" ao limitar acesso ao RSI

Por Natália Faria, in Público on-line

Governo anuncia poupança de 70 milhões de euros no RSI. Exclui quem tenha mais de 25 mil euros. Restrições tentam "denegrir" e "estigmatizar" os beneficiários, dizem especialistas.

Quem tiver mais de 25 mil euros no banco vai deixar de poder aceder ao Rendimento Social de Inserção (RSI). Quem estiver preso preventivamente ou possuir casa, carro ou aeronave até ao mesmo valor também fica de fora. As novas regras de acesso ao RSI, que integram o amplo pacote de revisão das regras das prestações sociais apresentado ontem pelo Governo em sede de concertação social, serão "relativamente inócuas" em termos de efeitos práticos, mas, segundo os investigadores ouvidos pelo PÚBLICO, perseguem um objectivo claro: tentar "denegrir" e "estigmatizar" os beneficiários daquele apoio.

"Estas alterações visam restringir o acesso à medida, para reduzir os custos, mas, pelo menos as relacionadas com o património e os chamados sinais exteriores de riqueza, serão inócuas em termos de efeitos práticos, porque só muito marginalmente um beneficiário do RSI tem depósitos acima dos 25 mil euros ou património nesse valor", declarou o economista Carlos Farinha Rodrigues. Para este investigador sobre as desigualdades em Portugal, o Governo está a "denegrir" os beneficiários do RSI e, na prática, a tentar capitalizar a ideia "de que "há muitos beneficiários deste apoio com fortunas nos bancos".

Também o sociólogo e investigador Eduardo Vítor Rodrigues concorda que "as alterações correspondem a uma agenda ideológica e não representam ganho nenhum em termos de políticas sociais". Ao contrário, acrescenta o também militante socialista, "o Governo vai projectar sobre os beneficiários do RSI o seu preconceito ideológico, estigmatizando-os".

De acordo com a proposta do Governo – que surge acompanhada pelo anúncio de que haverá 50 novos fiscais a zelar pelo cumprimento das regras e escudada na ideia de que o RSI tem uma natureza transitória que urge limpar de abusos e de fraudes – o valor do património dos candidatos àquela prestação (em contas bancárias, imóveis e móveis, "designadamente automóveis, embarcações a aeronaves") não poderá ser superior a 60 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (419,22 euros). Contas feitas, ninguém com património de valor superior aos referidos 25 mil euros é elegível. Excluídos ficam também todos os institucionalizados em equipamentos financiados pelo Estado ou a cumprir prisão preventiva. "É o Governo a antecipar-se à decisão dos próprios tribunais. O ministério assume um juízo prévio sobre o que os tribunais hão-de-decidir", critica também Farinha Rodrigues.

Mudanças na candidatura

Por estes dias podem candidatar-se ao RSI todos os que possuam residência legal em Portugal. Se a proposta avançar, os candidatos terão que possuir residência legal há pelo menos um ano, desde que sejam provenientes de um Estado membro da União Europeia. Os restantes terão de possuir residência legal em Portugal há pelo menos três anos. "Essa proposta de limitação do acesso dos imigrantes roça a inconstitucionalidade", na opinião de Eduardo Rodrigues.

Obrigações como manter os filhos na escola, cumprir os planos de vacinação dos menores e prestar trabalho útil à comunidade não são novidade. O fim da renovação automática da prestação sim. Doravante, o pedido de RSI tem que ser renovado a cada 12 meses. E, por enquanto, os beneficiários podem receber RSI por dois ou três meses, assinando o contrato de inserção depois. Doravante, o pagamento do RSI passa a depender da assinatura do contrato de inserção, mediante o qual os beneficiários passam a estar ao dispor de autarquias, juntas e IPSS. O RSI pode ainda ser cancelado sempre que o beneficiário ameace ou exerça coacção sobre funcionário da entidade gestora do processo.

Actualmente, o RSI abrange por estes dias cerca de 117 mil famílias – à volta de 370 mil indivíduos. O valor médio de RSI por família ronda os 240 euros. Em 2010, essa prestação social custou cerca de 520 milhões de euros. Em meados do ano passado, o Governo já tinha apertado a malha no acesso a esta prestação, o que antecipava um abaixamento da despesa para os 440 milhões. Agora, o Governo planeia baixar a despesa para os 370 milhões, o que equivale a uma poupança da ordem dos 70 milhões de euros. Alega o ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares, que tal poupança será aplicada no aumento das pensões mínimas. "Eu preferiria manter os apoios sociais assentes na prova de recursos, como é o caso do RSI, do que aplicar esse dinheiro nas pensões mínimas, onde haverá pessoas mais necessitadas e outras menos", discorda Farinha Rodrigues. De resto, o investigador sustenta que a deterioração das condições da população pode inviabilizar a perspectiva de poupança, na medida em que "haverá mais pessoas em condições de pobreza extrema a apresentarem candidatura àquela prestação social".