Por Andrea Cunha Freitas, in Público on-line
Temos as notícias sobre as crescentes dificuldades das instituições de solidariedade, temos pouco dinheiro e muita vontade de ajudar. Os portugueses podem ser solidários sem gastar um tostão? Sim.
O nosso tempo e talento podem ajudar tanto (ou mais?) do que o nosso dinheiro. Tempo é dinheiro, já se sabe, mas, por vezes, gastamo-lo em coisas tão inúteis que é bom saber como o podemos aproveitar melhor. O que sabemos fazer também pode ser usado fora do lugar de trabalho e das portas de casa. Seja por puro altruísmo – simplesmente para ajudar o outro – ou com um bocadinho de egoísmo à mistura porque ajudar nos faz sentir bem, não ter dinheiro não é desculpa para não dar nada. Aqui ficam alguns exemplos que podem servir de inspiração. Sabemos que existem muitos mais.
Voluntariado
Arregaçar as mangas e oferecer-se como voluntário umas horas por semana é, sem dúvida, a resposta mais imediata a uma ajuda sem dinheiro à mistura.
A estratégia pode passar por aparecer em momentos chave (como as alturas de campanha de recolha de alimentos do Banco Alimentar Contra a Fome) ou fazer com que essa presença seja regular. Isabel Jonet lembra que o Banco Alimentar, por exemplo, tem uma bolsa de voluntários onde qualquer pessoa se pode inscrever online e, assim, ficar disponível para várias instituições.
A “Porta Amiga” da Assistência Médica Internacional (AMI) está aberta para quem precisa de receber mas também para quem só quer dar. Nem que seja apenas um par de horas por semana a servir refeições.
De qualquer forma, será difícil encontrar uma instituição que feche a porta a alguém que está disposto a oferecer o seu tempo e ajuda. Escolha uma (ou duas?), consulte o site ou vá directamente ao local.
Madalena Alves Pereira – que trabalha numa empresa que faz consultoria em angariação de fundos chamada Call To Action e que tem e teve muitas instituições de solidariedade como clientes – adianta ainda que, pela sua experiência, percebe que as instituições precisam de “voluntários que possam fazer algum trabalho especializado: criar um novo site (ou remodelar o actual); criação de um logótipo ou trabalho gráfico de imagem; desenvolvimento de campanhas de comunicação (às vezes é, simplesmente, ajudar a escrever de forma diferente a comunicação para que seja mais eficaz)”.
No registo de “explorar” os talentos do voluntário, a responsável adianta ainda que fazem falta pessoas dispostas a fazer pequenas reparações, que visitem idosos ou passeiem pessoas com deficiência.
Por fim, fica só um aviso: mais importante do que o decisivo passo de se inscrever como voluntário é aparecer quando é preciso. “O que vemos na realidade, é que muitas vezes as pessoas que se inscreveram como voluntários, ou que se ofereceram para dar uma determinada ajuda, acabam por não aparecer e não concretizar essa ajuda. E isto é uma fonte de muitos problemas para a Instituição, porque contam com eles e depois não aparecem”, alerta Madalena Alves Pereira.
Ser dador
Aqui a limitação é física. “Pode dar sangue se tiver bom estado de saúde, hábitos de vida saudáveis, peso igual ou superior a 50 kg e idade compreendida entre os 18 e os 65 anos. Para uma primeira dádiva, o limite de idade é aos 60 anos”, lê-se no site do Instituto Português de Sangue que pode consultar para conhecer mais em detalhe o que precisa para dar sangue. Desde já, fique avisado que não é necessária uma inscrição prévia. Basta aparecer num posto de colheita.
O caso recente do pai (e jogador de futebol) Carlos Martins que pediu ao país inteiro para ajudar o seu filho Gustavo, com três anos, serve de exemplo de sucesso. Foi bonito ver a resposta do país solidário. Doar medula é outra das formas de ajudar muito sem gastar um tostão. Os requisitos para doar medula são muito semelhantes aos que são pedidos aos dadores de sangue sendo que o limite máximo de idade é, neste caso, os 45 anos. É preciso também que não tenha recebido uma transfusão de sangue desde 1980.
Saiba que a colheita de células de transplantação é um procedimento simples e que o anonimato e a confidencialidade são rigorosamente mantidos. O Centro Nacional de Dadores de Medula Óssea, Estaminais ou de Sangue do Cordão quer responder a doentes que necessitavam de um transplante mas não tinham dador familiar compatível. Aproximadamente 80% de todos os doentes têm, pelo menos, um potencial dador compatível. E se for você?
IRS
Em 2011, quase 200 mil contribuintes atribuíram 0,5% das suas declarações de impostos às IPSS, o que equivale a quase sete milhões de euros doados. Estas doações já chegam a alcançar os 40% do valor total angariado por algumas instituições. Trata-se de verbas retiradas ao total de imposto que (de qualquer forma) já é retido pelo Estado, ou seja, não significam qualquer acréscimo de despesa para o contribuinte. Este ano, este tipo de ajuda deverá aumentar se olharmos para as muitas campanhas públicas que pediam esta contribuição.
Campanhas
Se já vai comprar um livro, um postal ou uma vela porque não escolher um produto que está associado a uma campanha e, assim, ajuda, ao mesmo tempo que consegue o que precisa?
Há conhecidos casos de sucesso desta forma de solidariedade: os postais e produtos da UNICEF, a campanha 10 Milhões de Estrelas [um vela, um euro], por exemplo, que resultou em 500 mil euros em 2011 e a campanha da Modalfa, em que cachecóis vendidos a cinco euros, dois reverteram a favor da Cruz Vermelha, que angariou 400 mil euros. Nas livrarias também podem encontrar livros que na capa anunciam apoiar uma causa.
Dar “coisas”
Roupa que já não se usa, livros, brinquedos, e outras coisas ainda em bom estado podem e devem ser doados. Mas há também coisas que para nós são lixo e que podem ser importantes para outros. Exemplo: Jornais e revistas podem ir parar a um ecoponto ou... para a campanha “Papel por Alimentos” do Banco Alimentar Contra a Fome (BACF). Aqui o papel vale dinheiro e o Banco Alimentar pode transformar uma tonelada deste seu “lixo” em 100 euros de alimentos.
O Banco Alimentar tem ainda uma resposta para outro tipo de artigos que muitas pessoas insistem em acumular em casa: telemóveis, carregador e outro tipo de equipamentos. Também estas coisas podem ser entregues ao “Banco de Equipamentos” e ajudar o BACF. Mas é preciso ir até ao banco para fazer a entrega? Não. A rede de instituições apoiadas pelo BACF significa que existem cerca de 2500 pontos de recepção.
Tal como o Banco Alimentar, a Assistência Médica Internacional (AMI) também têm alguns projectos em que associa a uma cidadania mais activa e o contributo para a protecção do ambiente à solidariedade sem gastar dinheiro. Há, por exemplo, uma campanha da AMI para a reciclagem de óleo alimentar, outra para reciclagem de radiografias, outra para consumíveis informáticos e telemóveis. Tudo coisas que já são lixo para si e que podem ser lucro para outros. Há ainda o projecto Reciclaurb que consiste em usar os resíduos plásticos para o fabrico de mobiliário urbano em plástico reciclado – para instalações desportivas, piscinas ou jardim.
Madalena Alves Pereira da empresa Call To Action nota, no entanto, que na questão de mobilização de pessoas para conseguirem arranjar brinquedos e roupas “ é fundamental que se comece tudo pela ordem certa, ou seja, as pessoas ou empresas que querem fazer uma campanha destas de recolha de bens, deve em primeiro lugar identificar a instituição que quer ajudar, saber com ela quais as necessidades em bens e depois trabalhar a campanha para essa concretização”. É que, o que muitas vezes infelizmente acontece é que “são dinamizadas campanhas fantásticas e que conseguem angariar imensos bens, mas depois a entrega, a gestão da separação, etc... são mais uma fonte de problemas para a instituição”.
Banco do tempo
Os bancos de tempo exploram como ninguém a noção de que “tempo é dinheiro”. “O Banco de Tempo é um banco em tudo igual aos outros. Tem agências, horário, cheques, depósitos e a particularidade de utilizar o tempo como moeda de troca”, podemos ler no site oficial. Os bancos de tempo surgiram em Portugal em 2002 – por iniciativa da Graal (um movimento internacional de mulheres), que importou o conceito de Itália. Aqui há ainda a vantagem de dar e receber. Porque se damos o nosso tempo podemos também receber tempo dos outros. Exemplos de “ajudas” que se podem trocar: Tomar conta de crianças, levar/buscar à escola, pequenas reparações, arranjos de carpintaria, de electricidade, lavar o carro, a loiça, compras de supermercado, ir ao correio, à farmácia, pagar as contas, limpar o pó, passar a ferro, jardinagem, acolher/tratar de animais/plantas nas ferias, e muito mais.
Ser fã
Não tem dinheiro, nem tempo, nem capacidades físicas? Espere. Não há desculpa ainda para não ajudar. Há um gesto simples que pode fazer e que pode ajudar muito uma instituição: dizer aos seus amigos e conhecidos o que a associação que escolheu ajudar precisa.
Nos dias de hoje essa comunicação pode ser feita de forma rápida e eficaz nas redes sociais. Mais um exemplo: A União Zoófila (UZ) vive das quotas dos sócios e dos donativos feitos pelas pessoas que se dedicam à causa dos animais. No entanto, no seu site propõe outras formas de ajudar sem gastar dinheiro, como oferecer-se para voluntário ou fazer-se fã da UZ no Facebook. E argumentam, se não puder fazer mais nada, “basta a sua vontade para ajudar a divulgar o nosso trabalho e os nossos apelos. Seja simplesmente um nosso fã e faça eco do nosso trabalho e notícias na sua rede social através de conversas com amigos, blogs, comentários em sites, etc.” Ou seja, simplesmente, fale nisso. O apelo da UZ faz eco em qualquer uma das instituições: se não pode ajudar, pelo menos, fale a alguém que possa. Isso já é ajudar.