2.1.13

Ela viveu um ano com mil euros… e muitas trocas

Cláudia Sobral, in Público on-line

Há um ano Andresa Salgueiro decidiu mudar de vida. Deixou o trabalho que tinha e lançou-se na aventura de viver 11 meses e 11 dias com 1111 euros. Em troca das coisas de que precisava fez de tudo: maquilhagem, currículos, limpezas e até alimentou galinhas. Agora já não tem mil euros mas não vai voltar a trabalhar.

Andresa vive no Cacém e foi lá que combinámos. Por acaso. Podíamos ter-nos encontrado em Lisboa. “Nesse caso, ou ia de transportes públicos, com o dinheiro que ainda me sobra, ou de carro, que ainda tenho da gasolina que recebi de prenda de Natal”. Sim, gasolina e comida foram as prendas de Natal deste ano. Uma coisa que nunca tinha imaginado naqueles tempos em que num dia gastava centenas de euros em roupa e produtos de beleza. Ou só fazia férias em hotéis de cinco estrelas.

Há um ano Andresa Salgueiro, uma psicopedagoga de 36 anos, largou tudo para um novo desafio: viver 11 meses, 11 dias e 1 hora com 1111 euros. Precisava de mudar de vida e decidiu tudo numa semana. Despediu-se de um trabalho que não a fazia feliz – era gestora de formação em hotéis de quatro e cinco estrelas – e o dinheiro que recebeu foi quase todo para o carro que ainda estava a pagar. Sobraram pouco mais de mil euros e foi com isso que decidiu que ia viver durante quase um ano. Impossível? O projecto Believe terminou a 21 de Dezembro e a factura não chegou nem aos mil.

No início, armazenava imensa comida, tinha medo que acabasse, de não conseguir trocas suficientes. Depois percebeu que era tudo muito simples. “Está tudo à distância de um post no Facebook”, resume a um ano de distância. Quando precisa de algum produto vai à procura e as coisas aparecem (o seu grupo no Facebook já tem 13.500 seguidores). “Claro que não posso ter a pretensão de fazer aquela receita com aqueles ingredientes”, explica. “Com qualquer coisa faço, parece que as ideias até vieram pelo facto de ter menos coisas.”

Salsichas por roupa
Deu explicações ou trabalhou em restaurantes em troca de comida, ajudou a fazer currículos em troca de um jantar, maquilhou num centro de estética para lhe arranjarem as unhas. Fez limpezas, apanhou fruta e alimentou galinhas. Em troca de uma boleia deram-lhe um telemóvel – que não gasta dinheiro a carregar, tem um tarifário que vai acumulando saldo pelas chamadas recebidas (têm-lhe dado jeito os longos telefonemas de jornalistas cheios de perguntas).

Já trocou livros por comida para os seus gatos. E uma vez deram-lhe muitas salsichas, que trocou por roupa com uma amiga que faz novas peças a partir de coisas usadas. “Os produtos secos que como são quase todos fora da validade”, diz. “Tenho uma vizinha que trabalha numa escola e quando a comida passa da validade ela traz-me.” Aprendeu a fazer champôs e sabonetes em casa. Tem Internet graças à password de uma amiga. Trocou-a por livros de culinária, de que ela estava a precisar. Um dia decidiu que queria falar com o Presidente da República e até o contacto de um assessor conseguiu assim, à troca.

Além das trocas, precisou apenas de 969 euros. Gastou-os nas despesas do carro (seguro, pneus), nas contas da casa – que também já não paga porque tem uma amiga a viver num dos quartos que em troca paga as despesas – e, pontualmente, em comida (apenas 50 euros ao todo).

Depois disto tudo, Andresa não é a mesma pessoa. Parte do processo de aprendizagem foi passar 11 semanas em 11 comunidades diferentes, o “mais sustentáveis e ecológicas possível”, por todo o país. Aí foi pastora, comeu comida crua, dormiu ao relento, de forma quase selvagem. “Na minha outra vida, as férias e o conforto estavam acima de qualquer coisa. Esta ideia de que podemos ser felizes com muito pouco é muito engraçada”, diz. “A nível de gastos reduzi imenso. Neste momento só faço coisas se precisar mesmo.”

Uma casa de trocas
Neste ano conseguiu viver com mil euros e muitas trocas por ter casa própria, da família, no Cacém. Mas Andresa já encontrou forma de até casa ter à troca. O projecto já está aprovado: vai gerir uma casa de trocas – que além de ter actividades vai agregar vários projectos de trocas, como o Couchsurfing ou o BookCrossing – num município do distrito de Lisboa. Em troca vai poder lá viver.

Entre um sem-fim de projectos mais pequenos (o melhor é mesmo passar a segui-la no Facebook para estar a par de todas as novidades), Andresa está também a preparar um livro, a partir do que ao longo deste ano foi escrevendo no blogue “Believe: Vivo à Troca”, que será para vender assim mesmo. Em troca de qualquer coisa. Para Lisboa também está a estudar a criação de uma loja de trocas, para produtos e serviços. Já fez a experiência no LxFactory durante 11 dias.

O ano de 2013 será mais difícil porque já não tem os mil euros. Tentou desfazer-se do carro mas não conseguiu, por isso vai emprestá-lo à troca como já tem feito ao longo dos últimos três meses com uma amiga. “Ela andava com o carro, eu pagava o seguro e em troca ela dava-me boleias e tinha gasolina no carro quando precisava.” Também já emprestou o carro a pessoas que não conhecia tão bem e em troca encheram-lhe o depósito.

Voltar a trabalhar não está nos planos dela. Gostou de poder fazer tudo aquilo de que gosta sem ter de fazer todos os dias a mesma coisa. De poder deixar a vida andar, um dia de cada vez. E uma das coisas que este ano lhe ensinou foi que tudo é possível nesta vida à troca. Em 2013 vai fazer uma viagem a Moçambique, pela Tap, e em troca vai dar formação às chefias da empresa.

Para ela não importa se trocamos uma coisa por outra com o mesmo valor ou não, porque isso seria voltar à lógica do dinheiro. “Se eu tenho a mais, posso dar ao outro. Não acredito na troca pelo valor.” Prova disso é que Andresa já deu uma palestra em troca de um pote de mel. Que lhe dá “um jeitão”.