11.3.13

Gianni Pittella. “Se os políticos não ouvem cidadãos são responsáveis pela crise"

Por Catarina Falcão, in iOnline

O vice-presidente do Parlamento Europeu, militante do Partido Democrático italiano, avisa que se a Itália cair, “a Europa também cai”. Pede mais flexibilidade e solidariedade aos parceiros europeus


Ao contrário do resto do mundo, os resultados das eleições italianas não surpreenderam Gianni Pittella. O eurodeputado do Partido Democrático e primeiro vice--presidente do Parlamento Europeu (ao todo são 14) recebeu o i no topo da torre de gabinetes dos eurodeputados socialistas dos 27 e não tem dúvidas que Pier Luigi Bersani deve ter a hipótese de formar governo. Ao mesmo tempo, o também líder da delegação italiana no Grupo de Partidos Europeus Socialistas (PES) não admite qualquer coligação formal com o Movimento Cinco Estrelas de Beppe Grillo e justifica o seu êxito eleitoral com o desespero vivido pelos italianos neste momento. Para Pittella, estes resultados são um aviso claro para a Europa: o caminho da austeridade não está a funcionar e deve ser concedido aos países sob assistência mais tempo para cumprir os seus planos de ajustamento, mas também uma maior abertura por parte dos “amigos alemães” para implementar outros instrumentos que promovam o crescimento.

O que é que influenciou mais os resultados das eleições italianas? A crise europeia ou o descontentamento com os partidos políticos?

Penso que essas são as duas maiores razões para estes resultados. Primeiro, a austeridade determinou uma grande parte das opiniões e das escolhas das pessoas. Em segundo, a má política que se faz no país arruinou a escolha das pessoas e ajudou o fenómeno Beppe Grillo.

E isso explica também o mau resultado de Mário Monti?

As pessoas estão a viver em condições dramáticas em Itália. A austeridade imposta pelo governo de Monti - muito influenciado por outros governos europeus, como por exemplo, a Alemanha - aumentou a pobreza e o desemprego. As políticas do governo seguiram esta linha e é claro que grande parte das pessoas decidiu reagir contra estas políticas.

Apercebeu-se que estes resultados poderiam vir a acontecer durante a campanha?

Sim, especialmente no que diz respeito aos jovens. Muitos jovens italianos vieram falar comigo, expressando a sua revolta face às medidas de austeridade. Para além disso é necessário ter em atenção que em Itália houve muitos escândalos políticos e, como resposta, não houve uma reforma suficientemente forte não só do sistema político, como também da própria administração pública.

O que falhou na reforma eleitoral de 2005?

Nós achamos mesmo que é necessário modificar a função de uma das câmaras porque neste momento temos um bi-camaralismo perfeito. As duas câmaras fazem exactamente a mesma coisa. É de loucos. Ou reduzimos o número de deputados ou mudamos a função do Senado. Também se pode acabar com uma das câmaras, ou fazer de uma delas a câmara das Regiões Autónomas. Neste ponto, isto é o que pensamos para a lei eleitoral. A lei eleitoral em Itália ainda não permite por exemplo que sejam os cidadãos a escolher os candidatos que cada partido apresenta. Para além disso é essencial reduzir o número de deputados, combater a corrupção, reintroduzir a legislação sobre fraudes fiscais - cancelada por Berlusconi - e discutir o conflito de interesses nos cargos de poder.

Quais as possíveis soluções para resolver a situação política em Itália?

Temos de seguir a lei. A 15 de Março, o Senado e a Câmara de Representantes tomam posse e a seguir, o presidente da República chama os dois líderes das câmaras e dos partidos e aí vão começar as negociações. Acho que o mais correcto é que seja dada a oportunidade a Pier Luigi Bersani de constituir governo. A partir do momento em que consiga obter o mandato, caberá a Bersani e ao Partido Democrático lançar um apelo aos restantes partidos para apoiarem o seu governo e o seu programa eleitoral. Daí para a frente, veremos o que acontece.

Acha possível um governo de coligação com Grillo?

Em coligação não. O governo será formado pelo Partido Democrático e por outros partidos de esquerda (Esquerda Unida). Mas vamos pedir aos restantes partidos que elegeram deputados que nos dêem um voto de confiança para permitir que o governo seja apoiado pelas duas câmaras.

Mas mesmo esse apoio não corre o risco de ser mal-entendido pelos parceiros europeus? Acha que um governo com o apoio de Grillo pode ser levado a sério?

Se este governo nascer, será para realizar o programa claro e simples de Pier Luigi Bersani. Já apresentámos as oito principais propostas do Partido Democrático. Temos de renegociar o acordo com a Europa sobre o plano de ajustamento, porque tal como Portugal, Espanha e Grécia, este plano precisa de maior flexibilidade para implementar o Pacto Fiscal e é necessário dar impulso ao crescimento e ao emprego. Se o movimento de Grillo apoiar este governo, significa que eles se comprometem com o programa. Senão, serão necessárias novas eleições.

Acha que isso pode vir a acontecer?

Não sei. Não sei mesmo. Até agora a resposta do Movimento de Grillo foi negativa, mas espero que esta posição se venha a alterar. Até porque o que está aqui em causa não são os partidos, é o interesse nacional. Em Itália, todos os eleitos, seja por que partido for, têm de responder ao cidadão em última análise e não à sua filiação política. Está na nossa Constituição.

Estes resultados eleitorais em Itália devem servir como um alerta para a Europa?

Os alertas já estão a chegar há muito tempo e de diferentes países da Europa. Se os políticos não vêem nem ouvem estas mensagens dos cidadãos, eles são responsáveis pelo agravamento da situação financeira da Europa, mas também de uma crise democrática. Se insistirem no caminho da austeridade, o resultado não só vai ser a subida das taxas de desemprego e o empobrecimento das populações, mas também a estrutura da democracia europeia vai ser posta em causa. Movimentos populistas como o de Beppe Grillo vão multiplicar-se, ganhando poder e influência na sociedade. Por isso, eu lanço um apelo: senhora Merkel, eu quero chegar a um compromisso justo consigo. Eu quero continuar a implementar no meu país disciplina fiscal e orçamental, mas a senhora tem de permitir mais flexibilidade e a aprovação de medidas que podem criar crescimento e emprego.

Pede flexibilidade, pensa que Portugal deve ter mais um ano para cumprir o seu memorando?

Eu não peço só flexibilidade no cumprimento dos planos de ajustamento para a Itália, peço para todos os países nessa situação.

Ao dizer isso, também tem noção que Itália tem um maior poder de negociação do que os restantes países já intervencionados. Afinal, é a terceira maior economia da zona euro. Itália é too big to fail?

Sim. Itália não vai cair, mas se cair, a Europa cai. E o compromisso que temos de fazer é exactamente o que já disse, nós mantemos a disciplina fiscal, mas Merkel tem de abrir a porta aos eurobonds, deixar de lado a regra de ouro, etc. Os nossos amigos na Alemanha devem aceitar isto.

Mas considera que as medidas de austeridade impostas por Monti em Itália não funcionaram?

Monti foi posto numa situação muito difícil, porque quando ele tomou posse, herdou uma situação dramática, criada por Berlusconi. Monti foi obrigado a tomar posições financeiras muito duras que significaram grandes sacrifícios por parte dos cidadãos. Admito que ele foi rigoroso nos cortes que aplicou, mas não foi eficaz no crescimento. Ele seguiu a linha de Merkel e o apoio que ela lhe deu acabou por não funcionar. Eu acho que quando há certo tipo de apoios direccionados, a reacção das pessoas é negativa. Uma coisa é seguir atentamente outro país que pertence à mesma família e estar preocupado com a sua situação, outra coisa é tentar condicionar o líder de um país.

O que acha do plano de ajustamento em Portugal?

Eu não tenho um conhecimento detalhado da situação, estou solidário com o país e espero que uma nação tão antiga consiga encontrar solução para esta crise. Acho que a austeridade não é o caminho certo para resolver isto, e tal como eu, a maioria do Parlamento Europeu também não concorda com estas medidas. No entanto, a decisão final de implementar esta solução foi do Conselho Europeu.

Esta é a altura então de mudar o rumo das políticas para os países intervencionados?

Sim, é urgente! É uma necessidade depois do desastre da austeridade. Mesmo no que diz respeito ao Orçamento plurianual 2014-2020, se o Conselho não mudar a sua posição, eu vou pedir ao Parlamento para rejeitar a proposta do Conselho. Pedimos para aumentar o orçamento, porque neste momento o montante proposto não é nada para manter a sustentabilidade da Europa. Se o Conselho insistir nesta proposta, o Parlamento terá de ter a coragem para rejeitar. Esta pode ser a primeira vez na História que isto vai acontecer e a mim parece-me a altura certa para o fazer. Nós é que somos os representantes dos cidadão e temos de ter o mesmo peso que o Conselho.

Nas negociações sobre o orçamento plurianual tem faltado solidariedade entre os países europeus?

Agora? A falta de solidariedade tem sido recorrente na Europa. Houve uma grande divisão entre os países do Sul e os países do Norte, mas desta maneira destruímos a Europa. Eu gostaria de perceber as razões que levaram os países do Norte a adoptar desde logo este tipo de divisões, mas peço agora aos cidadãos desses países que também percebam as nossas. Cabe-nos a todos construir uma Europa baseada num novo modelo de solidariedade e cooperação. Este será o desafio para todos.

Mas como e que isso de faz? Mais poderes para o Parlamento Europeu?

Eu considero que a campanha das eleições europeias em 2014 vai ser uma óptima ocasião para politizar este debate. As grandes famílias políticas têm de apresentar um candidato à presidência da Comissão Europeia e assim podemos pedir aos cidadãos que votem não só na lista de candidatos do seu país, mas também para o candidato de um governo europeu. E aí deveremos convocar uma nova revisão dos Tratados ou mesmo um novo Tratado para reforçar a Europa política.