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Estudo. Insatisfeitos com o trabalho consomem três vezes mais drogas ilícitas

Por Marta F. Reis, in iOnline

Estudo associa desemprego, precariedade e insatisfação laboral a mais consumos problemáticos. E mostra relações inéditas: mulheres que trabalham à noite têm piores indicadores

A taxa de prevalência do consumo de drogas ilícitas entre os portugueses insatisfeitos com o trabalho é três vezes superior à média da população em geral. Se os consumos de substâncias nocivas para a saúde são muito diferentes entre homens e mulheres, a desmotivação laboral é um dos denominadores comuns a ambos os sexos. Esta é uma das conclusões da primeira tentativa nacional de relacionar circunstâncias laborais com consumos problemáticos, que teve por base dados de um inquérito realizado em 2012 sobre substâncias piscoativas a uma amostra representativa da população. A taxa de consumo de drogas no último mês na população é de 1,7% - 4% nos homens e 1,3% nas mulheres. Quando se cruza os consumos com o grau de satisfação no trabalho, os homens nada satisfeitos apresentam uma taxa de consumos de 12,2% e as mulheres de 3,3%.

O estudo "Consumos em Meio Laboral", apresentado ontem em Lisboa foi realizado pelo Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova a pedido do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) e oferece, segundo os autores, pistas para investigações futuras. Em traços gerais, encontrou relações já descritas entre desemprego e precariedade a maiores consumos. Por outro lado, maiores níveis de instrução e ter uma relação conjugal (casamento ou união de facto) parecem ter algum efeito protector. Mas há conclusões mais surpreendentes que se prendem com variáveis até aqui nunca associadas a mais consumos, até porque os estudos têm recaído na população escolar ou prisional. Quando cruzam os regimes de trabalho, os investigadores concluíram que trabalhar à noite faz toda a diferença para as mulheres, mais do que estarem desempregadas. Se habitualmente apresentam consumos de tabaco, álcool e drogas inferiores aos dos homens, entre as que têm jornadas de trabalho nocturnas a prevalência de consumos nocivos supera a do sexo masculino. Mais de metade (52,6%) fuma, quando apenas 38,6% dos homens na mesma situação o faz e a taxa de fumadoras no geral é de 19,9%. A taxa de consumo excessivo de álcool é de 21,1% contra 19,6% nos homens que trabalham de noite e nas trabalhadoras no geral é de 8,5%.

Outra conclusão inédita é a associação entre empregos a tempo parcial e consumos problemáticos. Entre os homens, o part-time surge a par do desemprego como uma variável ligada a maiores prevalência de tabaco, medicamentos e drogas entre os homens. Não ter um vínculo contratual também foi relacionado a consumos problemáticos mais frequentes.

Falta perceber as causas João Goulão, director-geral do SICAD, e Casimiro Balsa, coordenador do estudo, sublinharam que não se podem estabelecer relações de causalidade, o que implica mais estudos. Responsáveis e participantes na apresentação, entre os quais peritos do SNS e representantes de empresas como a BP e EDP, consideram ser essencial um estudo que inquira os trabalhadores nas empresas e perceba que condições de trabalho e culturas empresariais têm impacto nos indicadores. A falta de verbas e a complexidade de um trabalho dessa natureza foram motivos apontados para que não esteja nos planos do SICAD a curto prazo.

Para já, os autores admitem que os resultados podem ter diferentes significados. Tanto na relação como precariedade como com a insatisfação laboral, os peritos consideram que os maiores consumos poderão ser resultado da condição de trabalho e da simples constatação de mais tempo livre ou serem a serem o coloca as pessoas nessas posições laborais, por exemplo ao prejudicar o desempenho laboral.

Outra ideia que emerge é que, ao contrário dos consumos de heroína dos anos 80 e 90, então problema transversal à sociedade, o panorama actual aponta para níveis de consumo superiores em classes mais desfavorecidas, com os trabalhadores não qualificados e educação ao nível do ensino básico a revelarem piores indicadores. Ainda assim, há um resultado a destoar: os quadros superiores surgem têm as maiores taxas de consumos de tabaco, álcool e medicamentos. Técnicos de nível intermédio têm também maiores prevalências de consumo de medicamentos e drogas.

João Goulão admite que o aumento da competitividade em contexto laboral e jornadas de trabalho mais longas poderão estar por detrás dos indicadores, nomeadamente no recuso de substâncias estimulantes ou para ajudar a dormir. O que fazer daqui para a frente? Goulão sublinha que as autoridades de saúde têm poucos meios para intervir nas relações laborais. Mas sabendo que os indicadores associados a consumos problemáticos mais frequentes tendem a agravar em contexto de crise, têm de manter respostas "ágeis" quer na prevenção quer no tratamento.

Já Casimiro Balsa considera que os resultados justificam que o tema se mantenha relevante em termos de financiamento, dado que há muito por perceber. "Há um certo número de modas na investigação consoante as prioridades políticas. Temos de assegurar que o trabalho continua. O investigador não é polícia nem moralista. Para mim o essencial não é que deixem de consumir mas porque é que o fazem quando sabem que faz mal."

Perfis de risco por sexo
MULHERES
Tabaco (consumo diário)
• A prevalência do tabagismo nas mulheres é maior nas trabalhadoras do sector terciário e com habilitações ao nível do secundário.
• Em média 19,9% das mulheres em idade activa fuma, valor que não se altera muito em situação de desemprego. O tipo de jornada de trabalho parece ser mais decisivo: metade das mulheres que trabalham só à noite fuma.
Excessivo de álcool
• Verifica-se em 8,5% das trabalhadoras. Ainda assim, afecta um quarto das trabalhadoras não qualificadas da construção indústria e serviços.
Medicamentos
• A prevalência do consumo de sedativos, tranquilizantes e hipnóticos é o dobro da dos homens (12,5%)
• Agrava em situação de baixa (31,2%) e entre trabalhadoras não qualificadas (25%) e quadros superiores (16,5%). Além disso, duas em dez mulheres que trabalham à noite toma estes medicamentos.

HOMENS
Tabaco
• Desemprego e empregos part-time fazem disparar a prevalência do tabagismo. 37,2 dos homens em idade activa fuma, percentagem que sobe para os 53,3% entre os desempregados e 56,2% dos qe trabalham a tempo parcial.
Consumo excessivo de álcool
• Entre os homens com vínculo contratual,17,9% ingere álcool acima do patamar considerado nocivo pelos critérios do teste AUDIT. Três em cada dez (32,5%) sem contrato tem este tipo de consumo. O desemprego parece ter neste caso menos impacto que a precariedade.
Medicamentos
• 5,4% dos trabalhadores do sexo masculino consomiu sedativos, tranquilizantes ou hipnóticos no mês anterior ao inquérito.
Droga
• A prevalência do consumo entre os trabalhadores é de 4% mas dispara para os 20% nos que trabalham a tempo parcial. Os consumos problemáticos são mais frequentes entre os 15 e os 34 anos e nas habilitações superiores.