Sérgio Aníbal, in Público on-line
O registo de perdas apenas no sector do turismo, um dos mais importantes para o país, seria o suficiente para conduzir a economia portuguesa a uma contracção este ano, um cenário que é visto já como inevitável.
Uma perda de 25% nas vendas dos restaurantes durante este ano custaria 0,9% do seu valor ao PIB português, uma quebra idêntica em todo o sector do turismo penalizaria a economia em 2,9% e um cenário semelhante na construção faria a actividade económica contrair-se 1%.
A situação única com que se depara a economia portuguesa neste momento levou o Instituto Nacional de Estatística a republicar na sua página de internet a informação que permite calcular como é que as variações na actividade de cada sector influenciam o PIB português. Os resultados, embora sujeitos a pressupostos ainda incertos, dão a ideia clara de que, com vários sectores quase parados, é praticamente inevitável que a economia portuguesa esteja a caminho de uma das contracções anuais mais fortes da sua história, talvez mesmo a mais forte.
Numa tentativa de disponibilizar mais informação que permita analisar os efeitos da pandemia do novo coronavírus, o INE publicou a Matriz Input/Output que utiliza nas contas nacionais, um instrumento que, diz, permite simular o impacto de choques na economia portuguesa.
A autoridade estatística apresenta desde logo um exemplo que ilustra aquilo que pode acontecer ao PIB durante este ano: utilizando dados relativos a 2017, uma redução anual de 25% nas despesas com turismo no território nacional conduziria a uma redução de 2,9% do PIB.
Assumir uma queda de 25% no turismo este ano está longe de ser pessimista. Basta que o actual cenário de quase estagnação do sector se prolongue durante um trimestre para que a redução de 25% se concretize, e se a paragem for mais prolongada, ou se o regresso aos valores anteriores for mais demorado, este cenário pode pecar até por ser demasiado optimista. Por exemplo, se assumirem perdas no turismo na casa dos 50%, o efeito negativo no PIB já ascenderá a 5,8%.
Noutros sectores, de acordo com os cálculos realizados pelo PÚBLICO com base nos dados disponibilizados pelo INE, é possível verificar, por exemplo, que uma perda de 25% na actividade da restauração levaria a perdas anuais do PIB de 0,9%. Nos serviços imobiliários, pelo seu elevado peso no PIB e pelo facto de terem uma reduzida componente de importação, uma diminuição da actividade de 25% provocaria só por si uma descida de 1,9% no PIB.
Sempre usando o cenário de redução de 25% na actividade, o sector da construção penalizaria o PIB em 1%, o transporte aéreo em 0,2% e as vendas de automóveis 0,4%. No caso dos automóveis, a redução das exportações em 25% provocaria uma perda do PIB da ordem dos 0,3%. O valor não é mais alto devido à elevada componente importada da produção de automóveis em Portugal.
Se é verdade que pode haver alguns sectores beneficiados neste cenário generalizado de crise, o que estes números mostram é que a soma das perdas avultadas em várias áreas de actividade vai conduzir necessariamente a uma contracção do PIB acentuada. Os números também tornam claro que as estimativas podem variar grandemente de acordo com o tempo de paragem da actividade que se está a assumir.
É por isso que se tem assistido, nas últimas semanas, à divulgação das mais variadas projecções para a economia portuguesa (e para a generalidade das economias mundiais). Não só os valores variam entre as diversas entidades a apresentarem previsões, como a maioria das projecções são feitas recorrendo a diversos cenários. Foi isso que fez, por exemplo, o Banco de Portugal, apresentando uma previsão de contracção do PIB de 3,7% num cenário base e de 5,7% num cenário adverso.
E foi isso que fez também, o Católica Lisbon Forecasting Lab - NECEP que vai de uma previsão de contracção da economia em 2020 de 4% no cenário mais optimista, até um colapso de 20% num cenário mais pessimista, que assume um prolongamento grande da crise sanitária.
António Afonso, professor do ISEG, também avança com as suas próprias previsões, que neste caso, apontam para uma diminuição do PIB em 2020 que vai dos 3,9% até aos 5,8%. Os seus cálculos não foram feitos através de uma análise sectorial, mas sim desenhando cenários para o que poderá estar a acontecer a indicadores como o consumo ou o investimento. Mesmo assim, o problema é o mesmo.
“O que distingue os cenários que são traçados é a duração da paragem que é assumida na actividade. Quando mais longa a paragem, maior será a diminuição do consumo e do investimento”, explica o economista, em declarações ao PÚBLICO.
E embora utilize a anterior crise vivida em Portugal como referência para os seus cálculo, assinala que, desta vez, “está a desenvolver-se um choque do lado da oferta”, assumindo que, “deste ponto de vista, esta crise não é comparável com a anterior”. “Provavelmente nesta situação a quebra será maior”, antecipa.


