Luísa Pinto, in Público online
Empresas que fazem gestão de AL tentam evitar migração para arrendamento convencional e apostam no híbrido “mid-term stay” como solução de contingência para os próximos meses
“Foi uma pena que há dez anos se tenha pensado que valia a pena esquartejar todos os T4 e inundar o mercado com apartamentos T0 e T1. Hoje em dia é o que mais há nas cidades. É a tipologia que tem mais procura, mas também é a que tem mais oferta. Por isso é onde há mais dificuldade em rentabilizar o negócio”. A análise é de Miguel Marinho Soares, director comercial da Lovely Stay, uma das maiores operadoras de alojamentos turísticos, e que gere uma carteira de mais de 200 imóveis em alojamento local (AL) em todo o país.
Questionado pelo PÚBLICO acerca da estratégia que está a discutir com proprietários e investidores para enfrentar a actual crise no sector, Marinho Soares diz que está sobretudo focado em “não deixar que a pandemia do medo e do histerismo económico tome conta do que deve ser a visão a longo prazo, e a saúde financeira destes investidores”. “Estamos a ver uma inundação de imóveis para o mercado de arrendamento, mas nós não estamos a aconselhar os nossos investidores a fazer isso. Pelo menos não todos”, afirma.
Na perspectiva da Lovely Stay, o mercado de arrendamento convencional não consegue cumprir as expectativas financeiras a longo prazo da maior parte destes investidores.
“São pessoas que compraram casas com preços elevados, compraram mobília, investiram em experiências”, recorda Marinho Soares. “Imagine-se um proprietário que está com medo de continuar neste negócio, porque acha que o turismo acabou – e eu não acredito nisso! – e vai fazer um contrato a cinco anos para receber 800 euros. O que nós aconselhamos é a que faça contratos a três meses, e depois avaliar, depois fazer novo acordo e voltar a avaliar. Em vez de ficar amarrado durante cinco anos, esse proprietário vai poder voltar a fazer 2500 euros como estava a fazer este ano em Janeiro, Fevereiro, Março”, argumenta.
E acrescenta: “As pessoas têm um negócio montado e esse negócio tem um valor: as classificações de nove, o número de comentários, os anúncios – tudo isso vale dinheiro. Este ano vai ser mau para o negócio, mas não vai ser mau sempre”.
A expectativa dos empresários do sector é que em vez do crescimento esperado, que permitiria continuar a bater recordes, o alojamento local vai terminar o ano de 2020 com uma quebra de receitas na ordem dos 50%.
No portefólio da Lovely Stay apenas 1% dos imóveis saiu do AL para o mercado de arrendamento convencional, “ou seja, dois imóveis”. Miguel Marinho Soares diz que esse número poderá aumentar, porque há alguns casos em que se justifica.
“Nas casas fora do centro histórico, ou das áreas de contenção, por exemplo. Porque fazer um contrato de arrendamento significa terminar com a actividade de alojamento local – porque as duas actividades não são compatíveis. Mas perder a licença agora pode significar não conseguir voltar a tê-la se quiser regressar a este segmento de mercado”, explica.
A estratégia da Lovely Stay passa por tentar ocupar os imóveis com estadias de maior duração ainda dentro do alojamento local. “Há muita gente interessada temporariamente num alojamento sem precisar de o converter na sua morada fiscal”, diz Marinho Soares, referindo-se a estadias de três a seis meses, procuradas por estrangeiros que vêm trabalhar para Portugal e começaram agora a procurar casa, ou a quem já tem casa mas que nela vai fazer obras.
É também essa a estratégia que está a ser seguida pela Feel Porto, uma das empresas mais antigas neste sector (foi fundada há dez anos) e que tem a gestão de 75 activos de diferentes tipologias (de T0 a T5), todos no Porto. “No total são 130 quartos”, diz Rui Lé Costa, CEO da empresa, adiantando que até agora nenhum passou para o arrendamento convencional.
Rui Lé Costa também confirma o fenómeno de inundação do mercado com os proprietários que estão a testar o mercado de arrendamento tradicional. “Nós temos relações de proximidade com vários operadores, e eu diria que 50% deles estão a passar por isso, e a lidar com proprietários que rescindem o contrato com eles e retiram o imóvel do AL”, afirma o empresário.
Na Feel Porto têm conseguido evitá-lo. “Temos dois modelos de gestão de contrato com os nossos investidores. Demos prioridade aos que tinham acordos de renda fixa, e fizemos uma renegociação para os próximos quatro a seis meses. Com os investidores que participam connosco no negócio, e a quem entregamos uma renda variável, estamos a discutir começar a trabalhar o segmento de “mid-term” – isto é, estadias de três, seis meses, um ano no máximo”, explica, adiantando que, ainda antes da crise, estavam a começar a trabalhar este segmento, “que tem alguma dificuldade de enquadramento no mercado”, através de um protocolo com a Porto Business School.
A Feel Porto vai apostar neste segmento de média duração como uma solução de contingência para os próximos meses, com a perspectiva que a retoma comece a surgir na Páscoa do próximo ano. Rui Lé Costa recebe como “muito boa” a iniciativa da Câmara do Porto em levantar as áreas de contenção ao AL, não só porque alivia os actuais proprietários em sede fiscal como “levanta também qualquer nuvem de dúvida que pudesse existir sobre continuar ou não um negócio”. “Um investidor que estivesse a pensar investir em reabilitação para colocar imóveis no mercado sabe que pode continuar a fazê-lo”, termina.