19.12.22

2023: ano difícil ou ponto de viragem?

Joana Silva, opinião, in Público online

“As crises têm impactos persistentes negativos nas empresas, nos empregos e nos jovens”, lembra Joana Silva, professora, investigadora e economista do Banco Mundial.

Foto"Um forte aumento do custo de vida não é uma boa notícia para a população de um país no qual um em cada cinco trabalhadores vive abaixo do limiar da pobreza", diz a economista Joana Silva Miguel Manso

O ano de 2022 foi difícil: vivemos uma recuperação a um ritmo lento, testemunhámos o desenrolar de uma guerra na Europa que espoletou uma crise energética global, observamos aumento da pobreza e fraco crescimento. Apesar de a inflação começar a baixar e a conjuntura global aos poucos mostrar sinais de melhoria, continuamos a viver num contexto de grande incerteza e bastante sombrio. Afinal, 2022 não deixa de ser o ano em que uma parte significativa das economias do mundo entraram em recessão.

Neste cenário, quais as perspectivas socioeconómicas para 2023? Não são ótimas. O crescimento económico previsto pelo FMI para Portugal é de 0,7% — ainda que seja o dobro da média europeia, significa pouca melhoria na economia real. Mantendo este ritmo de crescimento, Portugal levaria 60 anos a chegar ao PIB per capita da Alemanha de hoje.

O baixo crescimento não é o único obstáculo. Este ano, segundo o FMI, a inflação terá sido cerca de 7,9% em Portugal. No próximo ano, as previsões apontam ainda para uma taxa de inflação à volta de 4,7%. Sem aumentos salariais da mesma proporção, podemos esperar uma perda de poder de compra dos portugueses. Um forte crescimento económico (do tipo certo) e aumento de produtividade são fundamentais para um aumento significativo de salários sem perder competitividade. Infelizmente, o percurso de Portugal nas últimas duas décadas não é particularmente animador: o crescimento médio anual do rendimento real médio em Portugal entre 2000 e 2019 foi abaixo de 1%.

FotoJoana Silva: "Apesar de a inflação começar a baixar e a conjuntura global aos poucos mostrar sinais de melhoria, continuamos a viver num contexto de grande incerteza e bastante sombrio" Rui Gaudêncio

Para além disto, temos assistido ainda ao aumento das taxas de juro, que é especialmente preocupante, dado o elevado endividamento do setor privado, e o inesperado aumento do encargo financeiro que significa para as famílias com créditos à habitação, muitas vezes rondando as centenas de euros mensais.

Um forte aumento do custo de vida não é uma boa notícia para a população de um país no qual um em cada cinco trabalhadores vive abaixo do limiar da pobreza, onde mais de metade dos trabalhadores assalariados ganha menos de 950 euros por mês e apenas 10% auferem mais que 2200 euros por mês.

Como quebrar então esta tendência de estagnação persistente que temos vivido nas últimas décadas?

Não há uma resposta única. Por um lado, acredito que temos de apostar em políticas sociais eficazes que promovam o emprego, apoiem os mais vulneráveis, e quebrem ciclos de pobreza. Mesmo que Portugal cresça acima das expectativas e a inflação não volte a subir, sabemos que as crises têm impactos persistentes negativos nas empresas, nos empregos, e nos jovens. Por outro lado, é imperativo fomentar investimento em áreas com elevado potencial, e promover programas que estimulem a inovação e, particularmente, que valorizem e incentivem o talento português. Todos os dias trabalho com jovens excepcionais, que são galardoados com prémios para as melhores teses, entram nos melhores doutoramentos do mundo e conseguem empregos de topo em concursos internacionais. Eles merecem que 2023 seja o ano deles.

2023 ainda vai a tempo de ser o início de uma nova trajetória, ao invés de apenas um “ano difícil”. Para tal, este ano tem de ser um ponto de viragem. De viragem de duas décadas marcadas por baixo crescimento e muitas crises. É tempo de fazer algo de diferente e prosperar. É tempo (e ainda vamos a tempo) de fazer as escolhas certas e dar o nosso melhor.

Economista — Universidade Católica Portuguesa, Católica Lisbon School of Business and Economics