20.12.22

Grupo de pessoas sem-abrigo e em situações de exclusão criam companhia de Teatro "Do Lado de Fora"

in Sapo24

Do lado de fora”: A história improvável de um grupo de Teatro que quer transformar-se num movimento de cidadania

Na próxima quarta-feira, dia 21 de Dezembro às 11h30, no Salão Nobre da Junta de Freguesia do Bonfim, será apresentado o grupo de Teatro “Do Lado de Fora”, uma iniciativa inédita de um grupo de cidadãos em situação de exclusão que, de forma livre e autónoma, resolveram dar continuidade ao projecto de integração pela arte onde foram participantes. Agora, querem eles mesmos, ser agentes de integração pela arte e de acolhimento de todos os que estão do lado de fora.

No dia 8 de junho de 2022 levava-se a cena no Teatro do Campo Alegre o espectáculo “É!”, assim se concluindo o projecto SOmOS, inserido no programa AIIA da Câmara Municipal do Porto, que durante mais de um ano desenvolveu um trabalho de integração pela arte, focado em pessoas em situação de sem-abrigo ou exclusão. Esse espectáculo, que combinava uma equipa de profissionais (actores, músicos e técnicos) aos participantes amadores, foi a última de três oficinas criativas, materializando em palco todo esse longo caminho, em que, naturalmente, o cair do pano marcaria um ponto final no projecto.

Só que os participantes não quiseram que assim fosse. Ou melhor, fizeram questão de que este final não fosse senão um novo princípio. A vontade (ou o bichinho) já lá estava: no decurso das oficinas, fosse em conversas informais ou reflexões mais profundas, por mais de uma vez se ouviu os participantes e os mediadores sociais lamentarem que o grande problema destas iniciativas de integração pela arte era deixarem um vazio difícil de preencher quando cai o pano e o projecto termina. “Então e agora?” “Então vai outra vez cada um pra seu lado?”

- Não, desta vez não! - disseram a Ana, o Emílio, a Vilma, o Carlos, o Inácio, a Cândida, o Zé Miguel, o Artur, o Ricardo, o André, os Ruis, a Daniela, o Canção. Assim nasceu a vontade de o grupo continuar de pé. Assim, a partir daquele momento, estava expressamente declarada a intenção de construir as bases de um grupo de teatro, autónomo, voluntário e aberto a todos. A essa ideia associaram-se alguns dos parceiros de sempre: desde logo a Apuro, a associação cultural que coordenou as oficinas artísticas do projecto AIIA, a associação de solidariedade e ação social Asas de Ramalde, que há muito desenvolve trabalho de apoio a pessoas em situação de exclusão, e a Junta de Freguesia do Bonfim, que já acolhera na Casa das Artes duas das oficinas do projecto AIIA e agora abre as portas para receber esta nova iniciativa.

DO LADO DE FORA: UM COLECTIVO ONDE TODOS SÃO ARTISTAS

Resolvemos chamar-lhe “Do Lado de Fora”. Um grupo de teatro com preocupações artísticas e sociais, aberto a todos, até àqueles que se sentem “dentro”, pois não acreditamos em nenhuma espécie de guetificação. Um colectivo onde todos têm voz e as fronteiras se extinguem. Não há mediadores sociais, utentes, artistas, ou melhor, ninguém é utente, todos são mediadores, todos são artistas.

Além de outras possíveis iniciativas, “Do Lado de Fora” assentará em dois vectores de criação divididos entre aquilo que chamamos o “para fora” e o “para dentro”. O para fora pretende ser o espaço de consciencialização social e política de combate a estigmas e discriminações tendo como base o Bio-drama e o Teatro Documental e o para dentro consistirá em textos teatrais com preocupações artísticas e estéticas diversas, pretendendo juntar artistas de diversos universos e em que se estabelece que o trabalho criativo e teatral é fonte de capacitação.

A direção artística do “Do Lado de Fora” estará a cargo de Rui Spranger e nos próximos tempos a ação passará pela reposição e circulação do espectáculo “É!”, bem como uma nova criação que ficará a cargo do jovem actor Fernando André, que foi o produtor das duas últimas oficinas do projecto “SomoS”.

AS ORIGENS DE TUDO E OS PARCEIROS DE SEMPRE

Importa relembrar o caminho percorrido e as entidades que lhe deram corpo: o projecto iniciou-se com a oficina “Bibliotecas Vivas” dinamizada pela associação “Saber Compreender” e em que estiveram envolvidas ainda a Fundação MOA Portugal e a Serve The City. Seguiu-se a oficina de Teatro Fórum dinamizada pela PELE e por fim a terceira, de teatro, que culminou no espectáculo “É!” dinamizada pela Apuro, coordenadora do projecto SomoS, a par da EAPN que garantiu toda a parte de mediação sócio-educativa. Em Junho concluía-se este trajecto e tudo faria prever que seria o fim do ciclo. Mas em Julho arrancaram os Ateliers de Criação dinamizados pela Apuro, integrados no projecto Inkukturar-te do Clube dos Fenianos Portuenses, encontro de criação artística mensal nos quais os actores do “É!” foram assíduos participantes e que permitiu reforçar os laços e as vontades. Pelo meio houve uma reposição deste espectáculo numa iniciativa da EAPN e no primeiro ensaio, a 25 de Outubro, lançaram-se as bases do “Do Lado de Fora”. A necessidade de um espaço de trabalho era no entanto a pedra basilar para se poder arrancar com o projecto e encontrámos na Junta de Freguesia do Bonfim o espaço de que necessitávamos ao mesmo tempo que encontrámos também o primeiro patrocinador, a empresa DoafConta que permitirá garantirmos, a quem necessita, os lanches dos próximos meses.

O projeto “SomOS”, Existimos, Criamos, Somamos (P)ARTES, desenvolveu entre 2021 e 2022 um intenso trabalho com diferentes grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Foi promovido pela Câmara Municipal do Porto no âmbito do programa Abordagem Integrada para a Inclusão Ativa (AIIA), cofinanciado pelo Programa Operacional Regional Norte2020. Com coordenação sociocultural e artística da Apuro - Associação Cultural e Filantrópica, e acompanhamento permanente por parte de uma equipa de mediação socioeducativa e intervenção psicossocial da EAPN - Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal, o projeto SOmOS propunha a realização de três oficinas artísticas que se interligavam, nas quais interagiam pessoas em situação de sem-abrigo com criadores da cidade do Porto em dinâmicas de criação artística promotoras de processos de capacitação e integração social pela arte. Cada uma das 3 oficinas culminou com uma apresentação pública, congregando os contributos de um conjunto de entidades parceiras na intervenção junto de pessoas em situação sem-abrigo na cidade do Porto.