Patrícia Carvalho, in Público
Mais de metade dos casos noticiados dizem respeito a abuso sexual e cerca de 42% são violações. Houve 22 femicídios até 15 de Novembro.O primeiro Relatório Sobre a Violência Sexual em Portugal que a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta apresentou esta segunda-feira indica que a maior parte das vítimas são do género feminino (87%), que estão em causa, sobretudo, agressões na forma continuada (52%), que se desenrolam em casa (62,7%) e são perpetradas por familiares (42%) ou conhecidos (42,6%) das vítimas. “São dados que desconstroem a ideia de que a violência sexual é rara e praticada por desconhecidos sobre mulheres que saíam à noite”, diz Luísa Barateiro, da UMAR.
Há anos que a associação apresenta dados sobre o assassinato de mulheres, com base nas notícias que saem na imprensa, mas esta é a primeira vez que a UMAR fez o mesmo exercício dirigido à violência sexual. Os dados recolhidos são referentes a 2021 e foram compilados a partir de 299 notícias publicadas online sobre esta matéria. Destas, apenas em 192 artigos foi possível perceber o tipo de crime que estava em causa, sendo o abuso sexual o tema de mais de metade dos casos (50,5%) e a violação o segundo crime mais referido (42,2%). A pornografia infantil e a importunação sexual foram referidos em, respectivamente, 5,7% e 1,6% das notícias.
Os crimes são perpetrados quase sempre apenas por um agressor (em 92% dos casos), do sexo masculino (95%). A média de idades dos agressores é 42 anos, mas o espectro é muito alargado, indo dos 14 aos 82 anos. Já as vítimas são sobretudo do sexo feminino (87%) e as idades vão de um aos 90 anos. Na esmagadora maioria dos crimes há uma única vítima (79%), havendo também relatos de casos em que estiveram em causa até quatro vítimas.
Salientando — tal como costuma fazer com os casos de assassinatos de mulheres —, que poderão existir casos que não são relatados nos jornais, o grupo de trabalho da UMAR que se debruçou sobre a violência sexual, refere ainda que 69 casos ocorreram em casa, sendo Lisboa, Porto e Braga os distritos com mais casos identificados - 69, 32 e 27, respectivamente. Quanto às consequências para crimes deste género, os dados recolhidos apontam para condenações em 31 casos, com o tempo médio de encarceramento a chegar aos nove anos.
Os agressores são, geralmente pessoas próximas da vítima e o crime ocorre de forma prolongada no tempo, sendo a média superior a três anos. “É claro que não estamos a falar de eventos esporádicos, praticados por desconhecidos. É dentro de casa que muitos destes casos acontecem, o que mostra que a casa continua a não ser um lugar seguro para muitas mulheres e raparigas”, diz Luísa Barateiro. Dados que vão ao encontro do retrato que tem sido traçado pelo Observatório das Mulheres Assassinadas, da UMAR, nos últimos anos.
22 femicídios até 15 de Novembro
Neste campo, as informações mais recentes - referentes aos números recolhidos entre 1 de Janeiro e 15 de Novembro deste ano, indicam que 28 mulheres foram assassinadas nesse período, 22 das quais vítimas de femicídio. E, nestes casos, todos os crimes foram cometidos em contexto de intimidade, sendo o agressor do sexo masculino. Em 13 destes casos existia uma relação actual, envolvendo os restantes relações passadas. Havia ainda, em 12 dos casos de femicídio recolhidos na imprensa, violência anterior, conhecida por terceiras pessoas (vizinhos, familiares e amigos) e em sete destes casos havia mesmo uma denúncia prévia às autoridades.
“O que vemos com a violência sexual vai ao encontro dos casos de femicídio que temos analisado”, diz Luísa Barateiro. Ou seja, agressores próximos, crimes que se prolongam no tempo e que ocorrem na habitação. Mas, por enquanto, no caso da violência sexual, a UMAR ainda não consegue ter dados para apontar para uma qualquer evolução, positiva ou negativa, nesta matéria. A instituição espera conseguir financiamento para tratar, de forma continuada, dados similares aos que agora foram apresentados, mas ainda não tem garantias de que tal venha a acontecer. “Estamos a recolher os dados de 2022. Eles são alarmantes e é necessário, de facto, acompanhar melhor este tema”, diz a responsável da UMAR.
Para já, as informações recolhidas apontam para situações em que está sempre subjacente uma qualquer espécie de abuso de poder, e que, no caso da violência continuada, é geralmente praticada por alguém próximo da vítima, e em quem esta confia, que recorre, muitas vezes, “ao aliciamento, à chantagem e à ameaça” para concretizar o crime. Já nos casos de violência sexual pontual, praticada por desconhecidos, está muitas vezes presente “a agressão, o uso da força e a ameaça”, caracteriza a UMAR.
A associação apela para que haja mais prevenção primária e um melhor enquadramento dos crimes de violência sexual, associados a uma maior rede de apoio.
Para a comunicação social também são feitos pedidos expressos, nomeadamente na linguagem utilizada na descrição deste tipo de crimes, e que a análise da UMAR, às notícias de um jornal nacional de grande tiragem, apontam para alguma culpabilização das vítimas e desvalorização do comportamento dos agressores, justificando-o com termos como “instintos libidinosos” ou “ciúmes excessivos”.
“Pedimos que haja mais acompanhamento e formação dos jornalistas nesta área. Quanto mais detalhada e livre de preconceitos for a informação, melhor será também o nosso trabalho. Gostávamos que a comunicação social fosse também um meio de apoio, nomeadamente, com a colocação das linhas de apoio disponível, nos artigos sobre estes temas.”