2.12.22

Censos 2021: o país não devia estar a discutir o desequilíbrio demográfico?

Natália Faria, in Público

Ajudar os cansados das cidades a mudarem-se para o interior, preparar hospitais para picos de procura, repensar lares, apostar em especialidades geriátricas. Eis como olhar o envelhecimento de frente.

A imagem de um país irremediavelmente mais envelhecido, com menos habitantes e com tendência a afundar-se no litoral, que emerge dos Censos 2021 está longe de constituir surpresa. Mas, se assim é, se temos hoje 182 idosos por cada 100 jovens e 20% da população concentrada em 1,1% da área do território, porque não estamos todos a discutir formas de contrariar estes desequilíbrios? “Temos mesmo de começar a olhar para estes problemas e começar a antecipar os seus efeitos, nomeadamente ao nível do envelhecimento”, alerta Pedro Góis, sociólogo e investigador das migrações do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Porque resulta claro que nem o aumento em 37,5% da presença de estrangeiros verificado na última década em Portugal vai rejuvenescer o país, os governantes têm de “deixar de ter vistas curtas”, como concorda a demógrafa Maria João Valente Rosa. “Sabemos pelos Censos que a população diminuiu em 2,1% na última década, mas a população acima dos 44 anos aumentou. E é interessante notar que as pessoas com 85 ou mais anos de idade passaram de 234 para 353 mil e as pessoas com mais de 100 anos duplicaram a sua expressão no país. Portanto, é preciso começarmos a repensar os nossos pressupostos de sociedade, que não estão adaptados a estas novas realidades”, acrescenta a também professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Detenhamo-nos por instantes no retrato do país em números que foi divulgado nesta quarta-feira. Nos últimos 10 anos, perdemos 219.112 residentes, num decréscimo de 2,1% que só encontra paralelo na década de 1960, em que aldeias e cidades do interior se esvaziaram à boleia da emigração. A quebra populacional é extensível à maior parte das regiões, com excepção do Algarve e da Área Metropolitana de Lisboa, que cresceram 3,6% e 1,7%, respectivamente. E, enquanto 20% dos residentes se concentram nos sete municípios mais populosos que abarcam os referidos 1,1% da área do país, outros 20% espalham-se por 208 municípios menos povoados e que ocupam 65,8% da área do país.

“Esse desequilíbrio, que nos dá conta de vastas áreas do território vazias, preocupa-me porque os locais que podiam funcionar como âncoras e dinamizador de um interior vasto também estão a perder população”, começa por notar o geógrafo Jorge Malheiros, para quem o problema até surge nomeado no discurso político, “mas os subsídios ficam aquém do que se espera e o carácter estrutural das políticas que estão pensadas também fica aquém”.

Importaria assim “cuidar melhor dos serviços públicos nestas áreas” e, mais do que pretender forçar a natalidade nos concelhos do interior, “facilitar a mudança para estas zonas de uma população mais velha, mais qualificada e experiente, mas ainda com saúde e que está cansada de viver nas grandes cidades”. “Não é transferir os idosos para o interior”, ressalva o investigador, “mas, designadamente nesta altura em que desenvolvemos as redes de comunicação e aprendemos as vantagens de estar fora das cidades, abrir este novo horizonte que vai para além dos jovens e da fecundidade”.

Efectivamente, a baixa natalidade e o aumento da longevidade conjugados agudizaram o estreitamento da base da pirâmide etária. Em 2021, a idade média da população aumentou para os 45,4 anos, o que traduz um aumento de 3,1 anos face a 2011, ao mesmo tempo que o país começou a ter 182 idosos por cada 100 jovens (128 em 2011).

Ao mesmo tempo, “o índice de rejuvenescimento da população activa em 2021 é 76, significando que, potencialmente, por cada 100 indivíduos que saem do mercado de trabalho, apenas ingressam 76”, conclui o INE.

Em termos globais, as pessoas com 65 ou mais anos de idade são já 23,4% da população, enquanto as crianças e jovens até aos 14 anos de idade são apenas 12,9% dos residentes. No intervalo censitário, de resto, assistiu-se a um decréscimo da população em todos os escalões etários até aos 39 anos, particularmente no grupo dos 30 aos 39 anos. “Em contrapartida”, enfatiza o INE, “todos os grupos acima dos 44 anos aumentaram a sua importância relativa”.

“Devíamos estar a preparar-nos em termos de infra-estruturas e serviços para este momento em que vamos todos ser mais velhos: os hospitais têm de estar preparados para os picos de gripe que vão levar muito mais gente às urgências, por exemplo; dentro da formação médica e de enfermagem, temos de começar a investir nas especialidades geriátricas, temos de pensar a estruturação dos cuidados continuados; de pensar se os lares que temos hoje são aqueles em que vamos querer estar”, retoma Pedro Góis.

Os desequilíbrios na distribuição da população no território também convocam a necessidade de “começar a pensar em agregar populações em locais que garantam qualidade de vida, em vez de deixar as pessoas a sobreviver em territórios desertificados, um pouco à semelhança, de resto, do que se fez há uns anos com as escolas”. “Não há milagres. Os que não nasceram já não vão nascer e não são os estrangeiros que vão vir para esses locais preencher os vazios”, reforça, dizendo-se convicto de que, vistos com maior zoom, os resultados destes censos “vão mostrar muitas freguesias em que já não está ninguém”.

Brasileiros dominam

Quando os Censos se realizaram, em Abril de 2021, havia 542.314 estrangeiros a residir no país, ou seja, 5,2% da população, contra os 3,7% de 2011. No intervalo censitário, o crescimento dos estrangeiros foi de 37,5%. Os brasileiros compunham de longe a maior comunidade estrangeira, com 199.810 pessoas, seguindo-se os angolanos (com 31.556 pessoas) e os cabo-verdianos (27.144). “Sem a mão-de-obra brasileira, o país não sobreviveria, basta olhar para o sector turístico”, avisa Góis, lembrando o recente alerta de Lula da Silva, aquando da sua passagem por Portugal, para que regressem.

Apesar de em muito menor número, os dados recolhidos pelo INE evidenciam ainda o forte crescimento das comunidades estrangeiras provenientes do Nepal (aumentaram de 959 pessoas em 2011 para 13.224 no ano passado) e do Bangladesh (de 853 para 9150 pessoas). “É a mão-de-obra mais barata do mundo”, ilustra ainda Pedro Góis, à laia de explicação para este crescimento da população asiática.

No outro lado da moeda, os Censos 2021 dão conta que o número de portugueses que já residiram no estrangeiro e que regressaram, entretanto, ultrapassavam os 1,6 milhões. Os ex-emigrantes concentram-se nas regiões Norte e Centro, além de na Madeira, sendo que regressaram maioritariamente de países como a França (23,2%), Angola (14%), Suíça (8,1%) e Brasil (7,2%). “Os que aparecem como regressados são, além dos retornados dos anos 70 e 80, são maioritariamente pessoas mais idosas e que vêm envelhecer o país, depois de terem chegado ao fim da carreira laboral nos países de acolhimento”, remata Góis.

O país em números

13,3%

foi quanto cresceu a população de Odemira, o concelho que mais cresceu na última década, sobretudo por causa do aumento da presença de imigrantes. No seu todo, a população reduziu-se em 219.112 pessoas, sendo que o Algarve e a Área Metropolitana de Lisboa foram as únicas regiões que cresceram

182

É o número de idosos por cada 100 jovens. Há dez anos, este índice de envelhecimento era de 128 idosos por cada 100 jovens, sendo que o Centro e o Alentejo apresentam os valores mais altos, com 229 e 219 idosos por cada 100 jovens, respectivamente. No extremo oposto, os Açores têm apenas 113 idosos por cada 100 jovens

76

É o número de pessoas que entram no mercado de trabalho por cada 100 que saem. A sustentabilidade e o rejuvenescimento da população activa agravaram-se em todas as regiões do país

1,7%

Foi quanto aumentaram os alojamentos na última década, num crescimento “significativamente inferior ao verificado em décadas anteriores”, segundo o INE, que aponta o Alentejo como a região que apresenta o parque habitacional mais envelhecido do país

22,3%

Dos alojamentos são arrendados e 70% são ocupados pelos respectivos proprietários, sendo os municípios do Norte e do Centro aqueles onde as casas são mais comummente habitadas pelos donos

112,5

Metros quadrados é a área média útil dos alojamentos em Portugal, sendo que, dos 4.142.581 alojamentos de residência habitual, 66,7% tinham uma área útil inferior a 119 metros quadrados

63,65

Dos alojamentos familiares de residência habitual estão sublotados (com divisões excedentes) e 12,7% estavam sobrelotados, com a maioria dos seus habitantes (76,5%) a acusarem a necessidade de mais uma divisão

19,9

Minutos é a duração média das deslocações pendulares entre casa e o trabalho ou a escola, num decréscimo muito ligeiro face aos 20 minutos de 2011. Na Área Metropolitana de Lisboa a média sobe para os 25,1 minutos, enquanto nos Açores, o percurso se faz em apenas 14,3 minutos em média.