Rodrigo Tavares, opinião, Expresso online
O economista Ricardo Paes de Barros é o mentor das reconhecidas políticas públicas brasileiras de redução da pobreza, incluindo o Bolsa Família. Ao analisar o agravamento da pobreza em Portugal, diz que programas sociais nem sempre são a melhor ou a única respostaHá duas estatísticas que deveriam centralizar o debate público em Portugal: o nosso país é mais pobre do que a média europeia e a pobreza está a aumentar. Os dados do Eurostat de 2021 são claros: 21,7% da população europeia está em risco de pobreza ou exclusão social, enquanto em Portugal a percentagem é 22,4% (8º país mais pobre da Europa). Em 2020 era de 20%. São valores que já assimilam as transferências sociais. Segundo a Pordata, sem os apoios sociais, um número muito mais expressivo de portugueses – 4,4 milhões – vive abaixo do limiar da pobreza, com rendimentos até 554 euros mensais. É um problema medular português que não tem despertado sentido de emergência cívica nem um debate despartidarizado.
No Brasil também há duas estatísticas que centralizam o debate público. A pobreza caiu 31,9% durante a gestão FHC e 50,6% na gestão Lula (dados FGV). Mas os índices pioraram com Bolsonaro – em 2020, segundo o Banco Mundial, 18,7% da população estava abaixo da linha de pobreza [US$ 6,85 ao dia em PPC].
O principal mentor dos programas brasileiros de combate à pobreza foi Ricardo Paes de Barros. Doutorado em Chicago, ex-professor em Yale e atualmente no Insper em São Paulo, é reconhecido internacionalmente por elevar os estudos sobre a pobreza e a desigualdade brasileira a um inédito patamar de rigor científico. Trabalhou com FHC, Lula e Dilma na definição de políticas públicas na área económica e social. O Bolsa Família, um programa de transferência direta de rendimentos com condicionantes, é uma das suas crias.
Instigado pela coluna a refletir sobre as características específicas da pobreza portuguesa, Paes de Barros vaticinou: “a melhor política de combate à pobreza que Portugal poderia adotar é uma política de fomento à produtividade. A melhor política social é uma boa política económica.”
A produtividade do trabalho em Portugal, ou seja, quanto cada trabalhador acrescenta de valor por cada hora trabalhada, tem vindo a subir, de 14,1 euros em 1995 para 27,6 euros em 2021 (dados ainda provisórios). Mas somos os 8º mais improdutivos na Europa. Temos metade da produtividade da Alemanha, França ou Holanda e menos de um terço da da Irlanda ou do Luxemburgo.
A baixa produtividade portuguesa tem sido estudada academicamente. É motivada tanto pelas características individuais de cada trabalhador quanto pelo seu ecossistema. Somos penalizados pelas baixas qualificações (apenas três em cada 10 trabalhadores têm o ensino superior, dados INE), pelo baixo grau de inovação e uso de tecnologia, pela frágil cultura de risco e empreendedorismo, por uma das mais altas cargas tributárias na Europa sobre o rendimento das empresas, ou pela excessiva hierarquização das relações laborais e baixa autonomia decisória. Além disso a economia continua muito dependente do turismo, que é um setor com uma natureza interpessoal e que gera pouco valor acrescentado por trabalhador, quando comparado com outras atividades mais suscetíveis à inovação, digitalização e à maquinização.
Para aumentar a produtividade teríamos também de fomentar a afinidade entre as universidades e as empresas e estancar a hemorragia de jovens qualificados portugueses para o estrangeiro. As condições de quem fica são muitas vezes castradoras. A taxa de desemprego dos jovens portugueses (19,9 %) é muito superior à da zona Euro (6,8 %) (dados Eurostat).
Como sabemos, é principalmente a baixa produtividade que leva aos salários baixos e à estagnação da economia. Um em cada quatro trabalhadores ganha apenas o salário mínimo nacional (dados do Ministério do Trabalho). Os salários médios em termos reais caíram cerca de 3% face a 2000.
Paes de Barros reforça: “Em primeiro lugar, a economia portuguesa precisa de ser mais dinâmica. Sem crescimento não é possível tirar da pobreza um número tão significativo de pessoas. Depois, os pobres têm de se beneficiar desse crescimento.”
O economista explica-se com uma metáfora: “A locomotiva é a economia. Os pobres são os vagões, que devem estar bem enganchados à locomotiva para garantir o avanço”. Se o crescimento económico não for inclusivo, os pobres vão continuar pobres.
São muitos os exemplos de economias que cresceram sem conseguirem reduzir a pobreza. No Estado de São Paulo, por exemplo, a economia está a crescer, mas a pobreza também. No Brasil, a solução encontrada em gestões anteriores, nomeadamente durante os mandatos de FHC e Lula, foi criar emprego. “A queda dos níveis de pobreza no Brasil não se deveu aos programas sociais, como a maior parte das pessoas pensa. Se deveu sobretudo à geração de novos empregos formais. A inserção produtiva adequada contribuiu para reduzir a pobreza”, diz Barros.
Em Portugal, se não existe um problema crónico de informalidade ou de altas taxas de desemprego, a forma de “enganchar os pobres no crescimento económico” é aumentar a produtividade para aqueles que têm emprego, e reforçar a qualidade do Rendimento Social de Inserção (RSI) para aqueles que não têm. “O RSI não resolve os problemas se não tiver crescimento”, acrescentou.
Mas a economia portuguesa está estagnada desde a aurora do milénio. E como disse Paul Krugman, “produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo” (relembrou Paes de Barros na entrevista).
A nossa realidade económica é nociva para a saúde mental e física dos trabalhadores. Trabalhamos, queixamo-nos do cansaço, mas os nossos esforços braçais contribuem pouco para a produtividade. A nossa vida é apenas o trabalho. Os portugueses são dos europeus que menos têm tempo para a família e para atividades desportivas e culturais. Apenas 4% se exercitam regularmente, a menor taxa entre os países europeus (Eurobarómetro), e 93% têm “baixo consumo cultural” (dados ICS).
Portugal irá receber 50 mil milhões de euros de fundos comunitários até 2029. É uma oportunidade sem precedentes. Que país seremos se não aproveitarmos estes recursos para promovermos um choque de modernidade na nossa economia?