19.12.22

Governo muda Arrendamento Acessível, que só chegou a 0,4% do mercado

Rafaela Burd Relvas, in Público

Há 950 contratos activos celebrados no âmbito do programa em vigor desde 2019, o equivalente a menos de 0,5% dos 252.449 contratos de arrendamento celebrados desde então. A meta do Governo era 20%.

O Governo prepara-se para fazer alterações ao Programa de Arrendamento Acessível (PAA), uma iniciativa que reconhece não ter tido a adesão necessária para que tivesse impacto no mercado: com apenas 950 contratos activos desde a sua entrada em vigor, o programa abrangeu 0,4% de todos os contratos de arrendamento celebrados neste período, número que fica muito aquém da meta de 20% estabelecida aquando do seu lançamento.

Entre outras alterações, o programa, que muda de nome, vai passar a permitir contratos com prazos inferiores a cinco anos para outros casos para além dos de estudantes, ao mesmo tempo que deixará de ser exigida uma taxa de esforço mínima.

O PAA foi criado para dar resposta à classe média com dificuldades em encontrar casas com rendas compatíveis com os seus rendimentos, concedendo aos proprietários que coloquem as casas neste programa, com rendas 20% abaixo da mediana do mercado, uma isenção total de IRS sobre os rendimentos obtidos com essas rendas. Agora, um decreto-lei que será aprovado em breve em Conselho de Ministros, e a que o PÚBLICO teve acesso, vem alterar algumas das regras do programa. “Por forma a consolidar o objectivo de promover uma oferta de habitação privada para arrendamento a preços compatíveis com os rendimentos das famílias, torna-se necessário levar a cabo uma revisão operacional, tendo em vista a sua simplificação e desburocratização. Pretende-se que a revisão levada a cabo permita aumentar o potencial de adesão ao programa, em particular junto das classes de rendimentos intermédios”, pode ler-se no diploma, que ainda poderá sofrer alterações até à sua aprovação em Conselho de Ministros, que se prevê que aconteça antes do final do ano.

A intenção de “simplificar” e “desburocratizar” aquele que passará a chamar-se Programa de Apoio ao Arrendamento surge ao fim de três anos desde a sua entrada em vigor, período durante o qual a reduzida procura desta modalidade foi notória. Os dados mais recentes do Ministério das Infra-Estruturas e da Habitação indicam que, no final de Outubro de 2022, havia cerca de 950 contratos activos no âmbito do PAA. Não se sabe, por outro lado, quantos contratos celebrados desde o início do programa já não estão activos.

Mas, considerando apenas os contratos activos, a irrelevância do programa no mercado como um todo é evidente. Desde que o PAA entrou em vigor, em Julho de 2019, e até Junho de 2022 (último período para o qual há números disponíveis), foram celebrados 252.449 novos contratos de arrendamento, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Significa isto que, desde que foi lançado, o PAA só abrangeu cerca de 0,37% do total de contratos de arrendamento celebrados.

Em 2017, quando o programa tinha acabado de ser anunciado e estava ainda longe de ser lançado, o Governo da altura estabelecia uma meta bem mais ambiciosa. “A projecção que fizemos, numa perspectiva que acho bastante optimista, é de conseguirmos, no final do próximo ano, ter 20% dos novos contratos desde que o programa entra em vigor”, dizia, em Novembro de 2017, Ana Pinho, então secretária de Estado da Habitação, em entrevista ao Eco. Dois anos depois, já o programa tinha acabado de ser regulamentado, a governante repetiu o objectivo ao mesmo jornal: “Gostaríamos que, passado um ano, um ano e meio, o Programa de Arrendamento Acessível estivesse em velocidade de cruzeiro e pudéssemos ter cerca de 20% dos contratos de arrendamento celebrados no âmbito do mesmo.”

Hoje, o ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, reconhece a fraca adesão ao programa. “São mais de 900 contratos celebrados, mas continuam a ser poucos. [O programa] não tem tido adesão por parte dos privados, é verdade. O máximo que podíamos fazer era, para além da isenção fiscal total [concedida sobre os rendimentos prediais dos proprietários que coloquem os alojamentos neste programa], ainda estar a subsidiar para colocarem imóveis nesse programa”, afirmou, na semana passada, em audição numa comissão parlamentar.
Taxa de esforço mínima eliminada

O novo diploma não traz subsídios aos proprietários – na verdade, não dá qualquer resposta à falta de adesão por parte dos proprietários –, mas procura alargar o universo de potenciais inquilinos.

A primeira alteração diz respeito à finalidade dos contratos de arrendamento celebrados no âmbito do PAA, que podem ser de “residência permanente” ou de “residência temporária”. É esta última que irá mudar: até agora, os contratos de residência temporária aplicam-se apenas a estudantes do ensino superior, mas, com a entrada em vigor destas alterações, passarão a abranger também “formandos, formadores, técnicos especializados e pessoal docente e não docente de todos os níveis de educação ou formação escolar e profissional”. Estes contratos de residência temporária, ao contrário dos de residência permanente, que têm um prazo mínimo de cinco anos, terão um prazo mínimo de nove meses (prazo já estabelecido actualmente, mas, até agora, apenas para estudantes).

Outra das alterações previstas no diploma passa pela eliminação de uma taxa de esforço mínima por parte dos inquilinos que queiram candidatar-se ao programa. “O preço da renda mensal deve corresponder a uma taxa de esforço máxima de 35% do rendimento médio mensal do agregado familiar”, pode ler-se no novo diploma, quando o actual determina que a renda deverá “corresponder a uma taxa de esforço que se situe no intervalo entre 15% e 35% do rendimento médio mensal do agregado familiar”.

O novo diploma mantém, ainda assim, um “valor máximo de rendimentos para efeitos de elegibilidade dos agregados habitacionais”, que será determinado em portaria a publicar posteriormente. A lei actualmente em vigor define um valor máximo de rendimento anual de 35 mil euros, no caso de candidaturas ao programa por parte de apenas uma pessoa, 45 mil euros, no caso de agregados com duas pessoas e mais 5 mil euros por pessoa nos agregados com mais de duas pessoas.

Quanto ao esforço por simplificar as regras, o novo diploma estabelece que a inscrição do alojamento no PAA é realizada “através de plataforma electrónica, também acessível através do Portal Único de Serviços”, uma alteração face ao que acontece actualmente, em que a inscrição do alojamento no programa é feita mediante o preenchimento da ficha do alojamento e a apresentação dos elementos instrutórios”.