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Um ano depois de Portugal ter assinado um acordo de ajuda externa com a 'troika', o antigo ministro da Segurança Social António Bagão Félix diz que o país está melhor, mas vê os portugueses em pior situação.
"Portugal está melhor no sentido em que, apesar de estar numa situação de reduzida soberania económica e orçamental, tem melhorado alguns indicadores" como o relativo às necessidades de financiamento externo, sublinha o antigo ministro da Segurança Social e do Trabalho no Governo de Durão Barroso e antigo ministro das Finanças de Santana Lopes.
Em entrevista à agência Lusa, Bagão Félix reconhece uma melhoria nos números, mas a visão é outra quanto às condições de vida dos portugueses.
"A questão social fundamental é a do desemprego. Essa é a medida de todas as medidas. A medida moral de uma economia, a medida moral e ética de uma política reside na sua capacidade de combater a pobreza e gerar emprego", refere.
Questionado sobre se o país está melhor neste parâmetro, o antigo ministro adiantou: "Aí estamos pior. Em parte em função do programa de ajustamento que tinha estas naturais consequências".
No balanço que faz do primeiro ano de ajuda externa, Bagão Félix salienta duas reflexões sobre o percurso do país.
Critica a falta de atenção que é dada às pessoas e a excessiva atenção que é dada aos números, mas também às diferentes velocidades a que são tratadas as questões.
"Sou muito favorável à ideia de uma política personalista que perceba que a política é a procura do bem comum e a procura do bem comum passa pela cultura do próximo e das pessoas. E aí, há uma certa tendência para se falar sobretudo de quantidades, de números, de tendências e pouco do tal personalismo que é preciso", explicita.
O outro ponto de reflexão "é a circunstância de as medidas terem velocidades diferentes".
O antigo ministro nota que "as medidas ao nível do rendimento disponível, dos salários, das pensões e ao nível dos contribuintes, dos impostos, foram tomadas rapidamente".
Já medidas como a renegociação das Parcerias Público-Privadas, (PPP) a questão das rendas excessivas no setor elétrico ou a possibilidade de algum aumento da carga fiscal sobre rendimentos mais elevados ou bens de luxo, poderia ter sido "mais acelerada", adianta.
"Percebo que o reformado não tem advogados, o funcionário não tem advogados e as PPP têm bons advogados... desejaria que fosse mais rápido", conclui o antigo governante.
Para o futuro, Bagão Félix deixa um alerta: "Os próximos quatro, cinco anos vão ser muito difíceis".
As medidas de austeridade, a impossibilidade de atingir taxas de crescimento suficientes para diminuir o desemprego e o tempo que demorará até que as medidas estruturais possam ter efeitos sobre a atividade económica são os argumentos avançados pelo antigo ministro para justificar a sua antevisão.
Bagão Félix lembra que aprendeu que quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresce dois por cento ou mais, há criação de emprego.
"Mas isso era numa economia fechada, não aberta, não global. Era numa economia baseada no setor industrial e no setor primário, hoje é baseada no setor terciário onde a maior parte do crescimento do produto se faz à custa do aumento da produtividade e não da geração de emprego", justifica.
Questionado sobre se o país pode "morrer da cura" que está a ser imposta, o antigo ministro responde: "Corremos esse risco também pelo caráter cego destes programas de ajustamento" que aplicam a mesma receita sem olharem às especificidades de cada economia.
Apesar das críticas, Bagão Félix diz que o Governo não tem alternativa e que tem de tentar cumprir o programa assinado com a 'troika', mas defende que o Governo, numa fase posterior, deveria tentar renegociar, juntamente com um alargamento do montante do empréstimo, um alargamento do prazo.
"Não é apenas para regatear mais um ou dois anos, é por causa do desfasamento temporal entre a necessidade de finanças públicas saudáveis e de ajustamento orçamental e por outro lado, as reformas estruturais que demoram 10, 15 anos a produzir efeitos", justifica.
"Não precisamos de flexibilizar mais os despedimentos"
O antigo ministro da Segurança Social António Bagão Félix diz que Portugal precisa de flexibilizar a legislação laboral, mas na vertente da contratação e não na do despedimento, como é proposto pelo Governo.
"As leis laborais têm de se adaptar aos desafios do futuro e não às memórias do passado. Agora, flexibilização, da contratação. Não precisamos de flexibilizar mais os despedimentos", salienta Bagão Félix em entrevista à agência Lusa.
O responsável pala pasta da Segurança Social e do Trabalho no Governo de Durão Barroso defende que para ajudar a resolver o problema do desemprego é preciso flexibilizar a legislação, mas afasta-se de parte do caminho que está a ser seguido.
A discordância não se aplica apenas às medidas que o Governo apresentou em relação ao despedimento individual no âmbito da revisão do Código do Trabalho que se encontra em discussão no Parlamento.
O antigo ministro lembra que além de tentar tornar os despedimentos mais ágeis e mais expeditos, o Governo também quer diminuir o valor das indemnizações.
E é perante este conjunto de medidas que Bagão Félix lembra que "mal será de um país que acha que o seu futuro, em termos económicos, está em despedir mais barato e mais depressa".
O antigo governante faz questão de salientar que usa a palavra flexibilização e não liberalização por serem dois conceitos diferentes, apesar de notar que "há uma certa tentação para ir até à liberalização".
Para este responsável é claro que o "direito do trabalho existe para proteger a parte mais fraca" e quando questionado sobre se as propostas do Governo, designadamente em termos de despedimento individual, deixam a parte mais fraca desprotegida, diz não saber responder.
"Não sei responder, honestamente, mas sei antever o perigo de uma circunstância que é muito comum na idiossincrasia empresarial nacional, que é facilmente passar do uso de uma disposição legal para o seu abuso".
E confrontado com o facto de este ser um discurso que costuma partir dos partidos de esquerda, Bagão Félix, que é um assumido apoiante do CDS/PP, diz que baseia a sua opinião nos ensinamentos da doutrina social da Igreja. E lembra que segundo esta doutrina "o trabalho foi feito para o homem e não foi o homem que foi feito para o trabalho".
Apesar desta análise, Bagão Félix lembra que "os empresários têm receio de criar novos empregos porque têm receio da rigidez da contratação", defendendo, assim, que se deve ajudar as empresas a ultrapassar este obstáculo.
"Defendo que se possa contratar por um ano, por dois anos, por três anos, por cinco anos, por oito anos, obviamente com salvaguarda de direitos. Não é a liberalização, é a flexibilização da contratação. E nesse aspeto não se avançou, até se regrediu um pouco", explica.
O antigo ministro admite que a solução que defende não é a ideal, mas lembra que o paradigma mudou e hoje a opção já não é entre ter um emprego definitivo e um emprego precário.
A opção é "entre estar desempregado e ter um emprego precário. Infelizmente é assim, não estou a fazer um juízo de valor, estou a fazer um juízo de fato, não gosto, mas é assim que é o mundo hoje".
Em termos de legislação laboral também há, no entanto, pontos em que o antigo ministro segue políticas do atual executivo, nomeadamente com as medidas de "flexibilização funcional" da legislação como "o banco de horas", ou com aspetos que permitem "ajustar a quantidade do trabalho à quantidade das encomendas" das empresas.
Bagão Félix reconhece ainda que mesmo as medidas que defende, na atual conjuntura, não seriam capazes de, por si só, permitir a criação de grandes volumes de emprego, mas lembra que, ainda assim, são medidas essenciais para preparar o futuro.
São medidas, salienta, que, quando a economia começar a crescer, permitem dinamizar esse crescimento funcionando como "uma espécie de óleo de motor de automóvel que lubrifica melhor as peças para que possa ter mais consistência e mais sustentabilidade no progresso futuro".