31.10.12

Take-away em Cascais combate a pobreza na classe média

Por Márcia Oliveira, in iOnline

Projecto Cozinha com Alma tem refeições a preços baixos para famílias da classe média em dificuldades, mas está aberto a qualquer pessoa


Apoiar a classe média baixa a ultrapassar graves dificuldades económicas foi o objectivo de Joana Castella e Cristina de Botton. Juntas criaram um restaurante take-away solidário, aberto ao público em geral, mas cujo lucro é aplicado numa bolsa social com direito a uma refeição diária completa a preços simbólicos para cada elemento de agregados familiares que vivam com dificuldades financeiras e sem apoio estatal. “Há dois anos começámos a ouvir na comunicação social que há cada vez mais fome e pobreza envergonhada e isso incomodou-nos”, começa por explicar ao i Joana Castella, uma das responsáveis pelo projecto Cozinha com Alma.

Durante um ano o conceito “foi-se aperfeiçoando” e em Fevereiro de 2012 com o apoio de várias empresas, da Junta de Freguesia da Pampilheira e da Câmara de Cascais, o restaurante abriu portas, num espaço provisório, no Centro de Convívio da Pampilheira. Na altura distribuíam 100 refeições diárias, das quais 20 eram da tal bolsa social.

Hoje, num novo espaço, facultado pela autarquia, na Praceta Padre Marçal da Silveira, o take-away solidário já atinge as 200 refeições diárias, das quais 50 são da bolsa social. Todos os dias a loja se enche e diariamente há pessoas que se inscrevem para ter direito a uma bolsa social. As responsáveis pelo projecto explicam que, embora tivessem conhecimento da “nova realidade” que o país atravessa, é muitas vezes “assustador” descobrir que existem tantas pessoas a pedir ajuda: “Estas famílias, muitas delas, estão pela primeira vez nesta situação. Quando vêm à loja pela primeira vez é muito difícil”, conta Joana Castella.

Qualquer pessoa que usufrui da bolsa social da Cozinha com Alma tem de pagar a sua refeição, variando o valor cobrado consoante o escalão de rendimentos antes apresentado. “As pessoas podem inscrever-se presencialmente ou através do nosso site ou Facebook para terem acesso à bolsa social. Depois é a Comissão Social de Freguesia que faz a triagem destas pessoas, ou seja, analisam os seus rendimentos e dizem se têm direito ou não à bolsa e a que escalão pertencem.”

Depois de ser seleccionada, cada família fica com direito a um cartão de cliente pré-pago, pessoal e intransmissível, cujo limite de consumo é calculado conforme o escalão que lhe é atribuído e o número de elementos do agregado. O cartão utilizado pelos agregados familiares com direito a bolsa social são iguais aos utilizados pelo público geral, um factor “fundamental para garantir o respeito e a dignidade”. “As famílias das bolsas sociais têm obrigatoriamente um cartão Cozinha com Alma que é igualzinho ao do público geral, o que permite ir a qualquer hora do dia, fazer compras na loja, chegar à caixa e pagar. Ninguém percebe que é uma bolsa social. Quando estas pessoas sabem como funciona a logística, começam a vir com mais à-vontade e muito mais tranquilas”, explica Joana Castella.

Escalões O take-away tem três escalões: o 1, o 2 e o 3. No primeiro, as famílias pagam um preço médio por uma refeição completa – com direito a sopa, prato principal e uma sobremesa uma vez por semana – de 50 cêntimos; no segundo escalão, as refeições custam um euro e no terceiro escalão paga-se 1,5 euros. “Cada família tem direito a uma refeição por dia para cada elemento do agregado familiar. Por exemplo, uma família de quatro elementos do primeiro escalão, tem direito a 50 euros de refeições àquele preço durante um mês na Cozinha com Alma e não pode ultrapassar.”

Segundo Cristina de Botton, outra das responsáveis pelo projecto, estas famílias são apoiadas durante seis meses, o tempo necessário “para se reorganizarem”. “É um balão de oxigénio, porque nós também não queremos que aqui seja outro subsídio eterno”, sublinha.

No entanto, a Cozinha com Alma também fornece serviços de refeições para o público em geral, pessoas inseridas na comunidade local que têm capacidade financeira para pagar 100% do preço da refeição e que acabam por contribuir para a bolsa social das refeições que são vendidas a preços mais baixos. “Para que o público em geral venha ao restaurante e goste do projecto este também tem de ser bom”, realça Cristina de Botton. O segredo do sucesso da iniciativa está no chefe de culinária, Nuno Simões, “que garante a qualidade do projecto”. Além disso, tem a colaboração de oito chefes de cozinha reconhecidos, como Chakall, Filipa Vacondeus e Luís Baena, que doam as suas receitas para a iniciativa. “Todas as sextas-feiras fazemos receitas de um chefe convidado”, explica Cristina de Botton.

apoios O projecto solidário pretende ir um pouco mais longe e para tentar chegar a mais famílias de classe média baixa vai lançar em breve a iniciativa “Padrinhos 2012”. “Isto vai permitir a particulares e às empresas disponibilizarem bolsas sociais directamente às famílias que estão na nossa lista de espera. Como nós não conseguimos chegar rapidamente a esses agregados, criámos este produto para permitir ir buscar mais ajudas e oferecer directamente estas bolsas sociais” a famílias em dificuldades, diz Joana Castella.