31.10.12

Portugueses regressam aos tempos da poupança

Marta Moitinho Oliveira, in Económico on-line

No final do segundo trimestre, em cada dez euros ganhos as famílias conseguiram poupar 1,09 euros. O reforço da poupança deve manter-se em 2013.

Na entrada de 2012, muitas famílias sabiam que o ano seria marcado por uma quebra do rendimento. O medo levou os portugueses a fazer uma escolha clara: viver abaixo das possibilidades e reforçar as poupanças. No final do segundo trimestre, a capacidade de poupança das famílias tinha subido 15% em relação ao ano anterior.

Em Junho de 2011, por cada dez euros ganhos uma família poupava 95 cêntimos. Um ano mais tarde, os portugueses reforçavam as poupanças e por cada dez euros recebidos guardavam mais de um euro, mais precisamente 1,09 euros. Um acréscimo de 14,7% face ao ano anterior, que surpreendeu até o primeiro-ministro.

O país está comprometido com a ‘troika' para baixar o endividamento externo e pôr as contas públicas em ordem. O primeiro desafio foi conseguido e as famílias deram uma ajuda preciosa. "A poupança cresceu ao longo deste ano a uma dimensão que não esperávamos", disse Pedro Passos Coelho, numa entrevista à RTP. "O que se passou", continuou, "é que muita gente, por receio ou por precaução, tinha dinheiro para gastar e não gastou. As pessoas podiam ter comprado automóveis! Tem um efeito positivo", admitiu o chefe de Governo, porque "saiu menos dinheiro do país, mas as receitas fiscais baixaram". Passos explicava assim porque motivo pôr as contas externas nos eixos prejudicou as contas do Estado.

E como conseguiram as famílias poupar em tempo de crise? Os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) ajudam a perceber. O rendimento disponível caiu 0,8%, devido ao efeito conjugado de dois factores. Por um lado, as remunerações recuaram 2,3%. Só os funcionários públicos ficaram sem os subsídios de férias e Natal. No entanto, por outro lado, aumentaram, por exemplo, as prestações sociais recebidas, onde se incluem os subsídios de desemprego.

A este corte juntou-se o efeito "precaução" de que falou Passos Coelho e o consumo caiu mais que o rendimento. Voltemos ao instituto estatístico. "O aumento da poupança reflectiu a redução da despesa de consumo final das famílias, em cerca de 1%, mais intensa que a diminuição do rendimento disponível (0,8%)". A taxa de poupança passou de 9,5% para 10,9% do rendimento disponível, no espaço de um ano.

Tendência de poupança veio para ficar
E 2013 como será? "Voltámos aos tempos da poupança", diz Rui Constantino, economista-chefe do Santander, que acredita que apesar do aumento da austeridade ainda há margem para aumentar a taxa de poupança. "As famílias devem manter o foco na poupança", afirma o economista. "As alterações que vão acontecer em prestações como o subsídio de desemprego vão levar as famílias a reforçar a poupança por motivos de precaução", admite Constantino. Além disso, "o cenário económico global é um factor que vai manter a pressão", salienta.

No Verão, o Banco de Portugal também apontava para uma subida dos níveis de poupança no próximo ano, sustentada pela obrigação de continuar a pagar a prestação da compra de casa. "Com efeito, para além da manutenção de elevados níveis de poupança associada à necessidade de fazer face às amortizações de crédito, as perspectivas de redução do rendimento permanente e a incerteza quanto à evolução das condições no mercado de trabalho deverão induzir uma reavaliação das decisões de consumo, incentivando um aumento da poupança por motivos de precaução", pode ler-se no relatório anual.

A afectar as decisões de consumo ou poupança estão factores como os preços - o Governo prevê um abrandamento da inflação -, a taxa de desemprego (que continua a subir), o aumento de impostos (só em 2013 são mais 2.800 milhões para os cofres do Estado) e os cortes nos subsídios de desemprego.

Para tomar as melhores decisões veja nas próximas páginas dicas de poupança.

Poupança financeira ao nível de 2010
Em cada dez euros, as famílias portuguesas pouparam 1,09 euros, mas apenas 70 cêntimos foram para aplicados em depósitos e outros tipos de poupança financeira. Os números do INE e do Banco de Portugal mostram que, a par do aumento da poupança corrente, também a poupança financeira está a aumentar. A poupança corrente tem em conta o que as famílias gastam para pagar o empréstimo da casa, encarando esta despesa como uma espécie de poupança forçada. Ou seja, se não existisse crédito à habitação este seria o montante guardado para adquirir habitação. Já a poupança financeira retira aquela despesa e mede apenas a poupança em investimentos como acções, depósitos, seguros entre outros. Se em Junho, em cada dez euros, 70 cêntimos eram poupados, um ano antes em cada dez euros as famílias aplicavam 53 cêntimos. É preciso recuar ao segundo trimestre de 2010 para encontrar um valor tão alto como o verificado no segundo trimestre deste ano. Antes do início da crise do ‘subprime', a poupança andava pelos 30 cêntimos em cada dez euros.