Por Carlos Dias, in Público on-line
A Câmara de Beja está confrontada com uma situação insólita: um pequeno empresário transformou o pavilhão que lhe foi cedido pela autarquia para instalar uma oficina de reparação de electrodomésticos em local de habitação.
As dificuldades financeiras não lhe permitem assumir os encargos com outro local de residência, obrigando-o a optar pelas instalações municipais, cuja renda também não paga. O problema foi analisado na reunião do executivo municipal de quarta-feira, mas o impasse mantém-se, dado o grave problema social que a autarquia tem em mãos.
O presidente da câmara, Jorge Pulido Valente, disse que o município já lhe perdoou algumas dívidas e reformulou outras, mas o empresário continua em incumprimento e a viver dentro do pavilhão que a autarquia construiu no parque industrial destinado às micro-empresas. Já foi apresentada queixa em tribunal, que reconheceu o montante da dívida, competindo agora ao município dar o passo seguinte: uma acção executiva que passa por desalojar o pequeno empresário. Só que esta não é solução que a câmara preconiza, face à condição social de extrema precariedade em que o visado se encontra "e não ser, do ponto de vista humano", a resposta que quer encontrar para resolver este problema.
No entanto, "mantê-lo lá não resolve nada", argumenta Pulido Valente. Frisa que se "corre o risco de transformar o parque industrial num bairro social", dando conta de que há outro caso semelhante e persiste a ameaça de que mais poderão vir a ocorrer, dada a dimensão da crise económica, desvirtuando a função das instalações que, além do mais, "não oferecem condições de habitabilidade".
Como a câmara tem um prazo de 20 anos para resolver o problema, depois de já ter transitado em julgado, decidiu-se "dar mais uma oportunidade" ao empresário, para que este encontre uma solução. Acontece que o empresário também tem dívidas por cobrar a clientes que a ele recorreram para reparar avarias em vários electrodomésticos. Uns estão arranjados, mas os seus proprietários não os vão levantar. Os que o fizeram garantiram que depois pagariam. A maioria das promessas ficou por cumprir.
As dificuldades com que os empresários se encontram por estes dias é também visível no número crescente de incumprimentos entre os que utilizam espaços camarários sob concessão. Só no mercado municipal, há oito comerciantes que ocupam lojas e estão em falta com o pagamento das respectivas rendas. "São incumprimentos crónicos", lamenta-se o autarca. Solução: proceder judicialmente e reclamar a entrega dos estabelecimentos. Mas como o negócio está fraco e a crise veio para durar, as dívidas vão continuar a acumular-se.
Tal como se acumulam as faltas de pagamento das rendas das casas sociais. Há casos de inquilinos que nem os cinco euros mensais conseguem pagar e os exemplos multiplicam-se por muitos dos 340 fogos dos bairros sociais da câmara. "Vamos pô-los na rua?", interroga-se Pulido Valente. Adianta que a autarquia seria de imediato chamada a disponibilizar alojamento, como acontece no caso das habitações entregues às instituições bancárias. "As Finanças contactam-nos a reclamar alojamento para aqueles que os bancos querem despejar", salienta o autarca. E responde de imediato: "Os bancos que resolvam o problema."
O mesmo não pode dizer a um número cada vez maior de pais que "não dispõem de um euro e meio para pagar as refeições dos filhos nas escolas", revela. E não esconde a sua preocupação com os dramas humanos que condicionam cada vez mais a capacidade de o município lidar com a pobreza crescente.