Por Margarida Bon de Sousa , in iOnline
137 euros separam o que ganha um jovem licenciado numa empresa privada e o que recebe um trabalhador não qualificado de uma escola pública
Se os salários da função pública fossem nivelados pelo sector privado, o Estado pouparia 3 mil milhões de euros por ano, mesmo tendo em conta que o sector emprega maior número de licenciados que as empresas. Isto teria um impacto significativo no produto interno bruto (PIB), só por essa via. Na realidade, o vencimento de um jovem licenciado solteiro em início de carreira no privado não ultrapassa hoje na esmagadora maioria dos casos os 600 euros líquidos mensais, quando não é menor, enquanto um contratado não profissionalizado e não licenciado no ensino público ganha 736,91 euros líquidos, estando nas mesmas circunstâncias pessoais. Com outra diferença significativa: no Estado o horário de trabalho é de 35 horas semanais, enquanto no privado é de 40, não pagando a esmagadora maioria dos empregadores, sobretudo ao nível das PME, horas extraordinárias.
Tendo em conta dados cruzados da New Cronos, do Eurostat, da MGI, da OCDE e os dados estatísticos nacionais, no ano passado o diferencial entre os salários públicos e os salários privados, numa média não ponderada entre diferenciais masculinos e femininos, foi de 51,1% contra o segundo país do ranking, a Irlanda, onde essa diferença é de 36,9%. Muito, mas mesmo muito longe da Alemanha, onde os vencimentos públicos e privados apenas diferem 7,3%, da França, com um hiato de 11,2%, e mesmo da Grécia, onde depois do programa de austeridade imposto pela troika o gap foi reduzido para 16,2%.
Esta diferença foi precisamente um dos argumentos de Bruxelas para criticar o acórdão do Tribunal Constitucional que pedia equidade entre os dois sectores e a tributação do capital, obrigando o governo a restituir os subsídios de Natal e de férias aos funcionários públicos durante o próximo ano, que acabou por se traduzir num aumento significativo de impostos para todos os trabalhadores por conta de outrem.
Segundo o i publicou no sábado, a Comissão Europeia considerou que o número de horas de trabalho dos funcionários públicos portugueses é mais baixo que o praticado no sector privado, o que aumenta significativamente o prémio para 77% quando se avalia a remuneração por hora. O documento reconhece ainda que o nível de qualificação dos trabalhadores do Estado é mais elevado que no privado, mas assinala que, mesmo corrigindo esse efeito, os funcionários públicos portugueses beneficiavam de um salário por hora 21% mais elevado que os trabalhadores privados.
Segundo uma análise do “Jornal de Negócios” à série cronológica do peso dos salários da função pública no PIB que o INE tem vindo a divulgar, a percentagem de riqueza nacional gerada em cada ano (PIB) destinada a salários da função pública tem vindo a descer desde 2002, registando o seu menor valor em 2011: 11,3% do PIB.
Em 2012 deverá ser atingido o pico mais baixo, em resultado do corte dos dois salários aos trabalhadores do Estado, um corte que terá representado uma queda das remunerações muito superior à queda do próprio PIB, pelo que se prevê que 2012 tenha sido o ano em que uma menor percentagem da riqueza nacional foi para pagar salários no sector.
Mas a situação já será diferente em 2013, com a reposição de um destes subsídios, ainda que em duodécimos. Apenas os funcionários que ganhem até 600 euros vão receber os dois subsídios em 2013, sendo para os salários acima de 600 euros e até 1100 euros a redução do subsídio de férias progressiva. Acima desse montante, o trabalhador não recebe o subsídio de férias.
Em resultado desta reposição parcial imposta pelo Tribunal Constitucional, as despesas com pessoal na administração central sobem dos 481,6 milhões de euros previstos em 2012 para 550,5 milhões para o ano, de 10% para 10,4% do PIB. Mas estes números explicam-se também pelo facto de a esmagadora maioria das carreiras estarem congeladas, de os próprios salários não aumentarem desde que entrou em vigor o programa de ajustamento da troika e de se manter em 2013 a redução salarial entre 3,5% e 10% para salários acima de 1500 euros brutos.
A tendência de redução de pessoal só se iniciou de forma consistente de 2009 para 2010, quando pela primeira vez se começou a registar uma tendência notória de redução de efectivos quer na administração central quer na local e regional. Em 1988 havia 405 mil trabalhadores na administração central, em 1991 509 mil, em 1996, quando foi feita a integração dos falsos recibos verdes – havia situações que se mantinham neste regime há mais de dez anos – o número de trabalhadores subiu para 500,5 mil, em 1999 para 566 mil, em 2005 para 578,4 mil, em 2007 para 536 mil, em 2008 para 528,7 mil e em 2009 para 529 mil.
O executivo já veio dizer que quer reduzir o número de trabalhadores na administração central para menos de 400 mil no final de 2014. Resta saber o que vai acontecer depois do programa de ajustamento da troika, quando já não for possível congelar e cortar nestes vencimentos. Aí sim, será possível aferir se houve ou não uma reforma estrutural na administração pública ou se o fosso entre salários no privado e no público vai continuar a ser um dos maiores da União Europa.