27.10.12

“Portugueses não merecem o que lhes estão a fazer”

in RR

O escritor acha “infame os portugueses terem que ir procurar noutros países aquilo que deviam ter no país. Não entendo porquê tanta insensibilidade, tanta imaturidade, tanta crueldade e porquê tanta estupidez”.

Em entrevista exclusiva ao “Ensaio Geral”, da Renascença, Lobo Antunes lembra um episódio passado para comparar os políticos do 25 de Abril com os actuais. A comparação não é boa para a actualidade, segundo o escritor.

“A seguir ao 25 de Abril a Snu Abecassis, que era a fundadora da D. Quixote, convidou os dirigentes dos partidos, cada um deles, para escrever (o Cunhal, o Freitas do Amaral, o Mário Soares, o Sá Carneiro). Repare a diferença, como cabeças com maturidade, como amor ao país, com os dirigentes de agora… o Passos Coelho, mais este mais aquele. Não há comparação possível, não me merecem o menor respeito”.
“Tive a maior relutância em apertar a mão ao primeiro-ministro na Feira do Livro e só apertei porque a editora insistiu comigo, não tenho a menor vontade de apertar a mão a essas pessoas”, refere.

A crise está a atingir quase todos em Portugal e até a esperança começa a faltar a alguns: “Que esperança tem um rapaz e uma rapariga que acabam o curso agora e ganham 400, 500 euros ou 600 euros. É de uma desumanidade total”.

Noutro âmbito, Lobo Antunes falou também sobre a morte. “As pessoas andam por aí, os mortos continuam a andar por aí, os cemitérios estão vazios e talvez por dificuldade em aceitar a finitude, a morte e a injustiça do sofrimento. Vi morrer tanta gente nos hospitais, na guerra e sempre me pareceu tão injusto. De uma maneira talvez egoísta, infantil, não consigo aceitar, a revolta é enorme”, refere.

“Gosto de saber que eles [mortos] continuam mais felizes do que aqui, noutro sítio melhor. Pelo menos sempre me dá alguma esperança”, acrescenta.
Segundo Lobo Antunes, “conseguimos viver sem tudo, mas não conseguimos viver sem esperança, nem sem futuro”.

"Não sei se vou escrever mais livros"

O escritor António Lobo Antunes é o homenageado deste ano no “Escritaria”, em Penafiel. Nesta entrevista à Renascença diz que consegue imaginar a sua vida sem escrita, apesar de confirmar que seria “difícil”. “Só não consigo imaginar a minha vida sem respirar”.

“Parece que construí tudo para escrever. Se uma pessoa se torna escritor, se um escritor se torna pessoa… não sei bem como as coisas funcionam. Por enquanto ainda me é difícil imaginar a minha vida sem isso, no futuro não sei”.

Precisamente sobre o futuro, o escritor diz não saber se vai publicar mais livros ou não. No entanto, deixa escapar que os seus livros - “aqueles que escrevi até agora – formam uma espécie de contínuo e ainda não cheguei ao fim”.

“Os livros deram-me muito mais do que eu podia imaginar. Nunca imaginei todos estes prémios, todas estas traduções e nada disto estava na minha cabeça. Comecei a publicar por acaso. Tenho muita dificuldade a falar sobre eles, é como se estivesse a revelar coisas demasiado íntimas para serem partilhadas. As pessoas têm direito aos livros com o que lá está escrito dentro e mais nada, não têm direito à minha vida, embora, por outro lado, tenha uma gratidão enorme” para com os leitores.
“O que gostaria, se fosse possível, era pôr a vida inteira entre as capas de um livro”, acrescenta o escritor.

Por falar em livros, estes “variam consoante a forma como a gente os lê e muitas vezes pergunto-me se os livros falam ou se é o leitor que fala e o livro ouve. Se calhar os livros bons são orelhas que nos escutam e estão à nossa espera, falam connosco e interpelam-nos”.

Lobo Antunes tem um novo livro "Não é meia-noite quem quer". “Este foi um livro muito estranho na minha vida. Foi dado, apareceu assim de repente, não foi difícil de escrever, parecia que estava a ouvir uma voz, uma voz que ditava, uma voz que ia falando”.

E, a fechar, o que pretende António Lobo Antunes deixar aos seus leitores? “Não quero deixar nada, quero ficar inteiro até ao fim dos tempos”.

No "Ensaio Geral" desta semana, o presidente do Centro Nacional de Cultura, Guilherme d'Oliveira Martins, também fala de António Lobo Antunes.