Vanessa Sardinha (reportagem), Carlos Paes (infografia), Fernando Pereira(vídeo), in Expresso
O número de homens vítimas de violência doméstica é cada vez maior e julgar que as agressões delas são menos violentas é incorrer num lugar-comum grave. Conheça a história de João Paiva Santos, que resolveu contar o que outros homens cada vez mais têm vergonha de denunciar.
Os dados nacionais cedidos ao Expresso pela direção de investigação criminal da GNR, em 2011, registam 848 casos de homens, entre os 18 e os 64 anos, agredidos pela mulher ou ex-companheira. Este ano, só no primeiro semestre já foram registados 457 casos.
Estes dados, no entanto, não refletem o que se passa na realidade. Sabe-se que são muitos os crimes desta ordem que ficam por confessar ou aqueles em que o histórico de violência contínua só é conhecido quando a vítima morre às mãos da agressora.
Straus Murray, co-fundador do laboratório de pesquisa familiar da Universidade New Hampshire, escreveu, num dos seus estudos sobre o tema, que "se uma mulher é agredida pelo marido a cada 15 segundos, um homem é agredido pela mulher a cada 14,6 segundos".
O professor sem medo
No decorrer desta reportagem, o Expresso teve uma enorme dificuldade em encontrar homens que apesar de reconhecerem ser vítimas de violência doméstica aceitassem falar, ainda que sob anonimato. Apenas um aceitou dar o seu testemunho, acreditando que esta pode ser uma forma de "encorajar outros homens" na mesma situação.
João Paiva Santos é professor no Instituto Politécnico de Beja e deu a cara pela sua história. Com 44 anos, João sabe bem o peso da violência que nem sempre é física. Durante cerca de 20 anos foi agredido várias vezes, perdeu a autoestima, a casa. E agora luta nos tribunais para poder continuar a ver os filhos (veja a reportagem no vídeo 1 nesta mesma página).
O Expresso tentou variadas vezes confrontar a ex-mulher de João Paiva Santos, mas esta recusou sempre falar, alegando agir assim a conselho da sua advogada.
A violência doméstica é um crime sem sexo - as mulheres deixaram há muito tempo de ser as únicas vítimas. Elas também agridem os companheiros e, muitas vezes, usam - e abusam - de violência camuflada. A constante desvalorização do outro, os ciúmes e a pressão psicológica são retratos do dia a dia de muitos homens.
Crimes igualmente violentos
Sim, elas também usam a força. E não, não é por muitas serem mais fracas fisicamente que agridem com menos violência.
Tal como explicou ao Expresso Adelina Barros de Oliveira, juíza do Tribunal da Relação de Lisboa, as mulheres agridem "com o que têm à mão. E o que têm à mão normalmente não é leve". Ao que se alia muitas vezes "alguma ou muita maldade" (veja a entrevista na íntegra no vídeo 2 nesta mesma página).
Pior: são cada vez mais os casos de violência doméstica contra homens que terminam em homicídio ou em que eles são vitimados com requintes de malvadez. A propósito disto, Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), recorda casos de homens que viviam constantemente com medo de serem envenenados ou foram perseguidos e atropelados pelas mulheres e companheiras.
País não está preparado para lidar com o fenómeno
Durante a entrevista ao Expresso, o mesmo responsável da APAV admite que a sociedade e as organizações "não estão preparadas para receber este tipo de vítima". O facto é que Portugal não tem associações que recebam em exclusivo homens vítimas de violência doméstica, muito menos as chamadas casas-abrigo para os agredidos e perseguidos, à semelhança do que acontece com as mulheres que são vítimas.
A subcomissária da divisão de investigação criminal da PSP, Angelina Ribeiro, considera que os casos de violência doméstica contra homens estão a "aumentar significativamente" e que já justificavam a existência destas casas de apoio. A agente salienta que é necessário um maior alerta para este tipo de crime que, sendo público, cabe a todos denunciar.
Mas é ainda entre quatro paredes que ficam escondidos muitos destes crimes. Atormentados pela vergonha, a maioria dos homens continua a não admitir ser vítima nas mãos de uma mulher e muito menos têm a coragem de apresentar queixa junto das autoridades.
Além da vergonha e do medo de represálias por parte de uma sociedade que, de acordo com as palavras do bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, é "profundamente machista" (veja a entrevista na íntegra no vídeo 3 nesta mesma página), existe um vincado sentimento de "amor-ódio" por parte da vítima em relação ao agressor - conforme explica o sociólogo Pedro Vasconcelos.
Já o psicólogo Vitor Cláudio vai mais longe nesta explicação e acrescenta que, nestes casos, a vítima simplesmente "não vê caminho" e rende-se à inevitabilidade da relação (veja a entrevista na íntegra no vídeo 4 nesta mesma página).
O pior pode ainda acontecer quando, de acordo com o mesmo especialista, a maior parte destes quadros relacionais se repete nos relacionamentos seguintes. Ou seja, o indivíduo tem uma tendência natural para se relacionar novamente com um outro agressor, criando um ciclo sentimental vicioso.
Afinal, eles também choram
A cortina da vergonha, o preconceito de que um homem não chora e o tabu social que envolve o tema continuam a acalentar a ideia erradíssima de que a mulher é a única vítima de violência doméstica.
Tal como acontece no caso das mulheres vítimas de violência doméstica, estamos perante um crime público onde a sociedade insiste na postura de não querer "meter a colher". Certo é que (como mostra o vídeo 'números' que acompanha esta reportagem), cada vez mais os homens também choram e maioria deles longe de tudo e de todos.