27.11.12

As gerações perdidas

por Jeffrey D. Sachs, in Jornal de Negócios

Os governos têm um papel único a desempenhar para assegurar que todos os jovens de uma geração – pobres e ricos – têm uma oportunidade. Se não existirem programas estatais sólidos e eficazes que apoiem educação de alta qualidade, cuidados de saúde e nutrição decente, não é provável que uma criança consiga livrar-se da pobreza dos seus pais

O sucesso económico de um país depende da educação, capacidades, e saúde da sua população. Quando a sua população mais jovem é saudável e bem-educada, consegue encontrar empregos bem remunerados, alcançar dignidade e ajustar-se às flutuações do mercado laboral mundial. Os empresários investem mais quando sabem que os seus trabalhadores serão produtivos. Ainda assim, muitas sociedades não cumprem o desafio de garantir uma saúde básica e uma educação decente para cada geração de crianças.

Por que motivo tantos países falham os objectivos de educação? Alguns são, simplesmente, demasiado pobres para disporem de escolas decentes. Muitos pais não têm a educação adequada, sendo incapazes de ajudar os seus filhos além do primeiro ou segundo ano de escola. Assim, a iliteracia e a falta de conhecimentos de matemática são transmitidos de geração para geração. A situação é mais difícil em famílias numerosas (com seis ou sete filhos), porque os pais investem pouco na saúde, nutrição e educação de cada criança.

No entanto, os países ricos também falham neste objectivo. Os Estados Unidos, por exemplo, permitem, de forma cruel, o sofrimento das suas crianças mais pobres. As pessoas mais pobres vivem em bairros pobres com escolas pobres. Os pais estão, muitas vezes, desempregados, doentes, divorciados ou mesmo presos. As crianças são apanhadas num ciclo geracional persistente de pobreza, apesar da riqueza geral da sociedade. Demasiadas vezes, as crianças que crescem na pobreza acabam por ser adultos pobres.

Um novo e notável documentário, "The House I Live In", mostra que a história da América é ainda mais triste e cruel do que isso devido a políticas desastrosas. Há cerca de 40 anos, os políticos americanos declararam "guerra às drogas", aparentemente para combater o uso de drogas como a cocaína. No entanto, como mostra claramente este documentário, a guerra às drogas tornou-se numa guerra aos mais pobres e, em especial, às minorias pobres.

De facto, a guerra às drogas levou à condenação e prisão de um número muito elevado de jovens pobres de grupos minoritários. Actualmente, há 2,3 milhões de pessoas presas nos Estados Unidos. A grande maioria são pobres que foram detidos por vender droga para sustentar o seu vício. Os Estados Unidos são, assim, o país com a taxa de encarceramentos mais elevada do mundo: 743 pessoas por 100 mil habitantes!

O documentário retrata um mundo de pesadelo em que a pobreza de uma geração passa para a próxima, com o cruel, dispendioso e ineficiente combate às drogas a facilitar o processo. As pessoas pobres, na sua maioria afro-americanos, não conseguem encontrar trabalho ou regressam do serviço militar sem aptidões ou contactos laborais. Caem na pobreza e entregam-se às drogas.

Em vez de receberem assistência médica e social, são detidos e convertem-se em delinquentes. A partir daí, não deixam de entrar e sair do sistema prisional e têm poucas hipóteses de alguma vez conseguirem um trabalho legal que lhes permita escapar à pobreza. Os seus filhos crescem sem um pai em casa – e sem esperança e apoio. Os filhos de drogados tornam-se, muitas vezes, drogados; eles, também, acabam, muitas vezes na prisão ou sofrem de violência ou morte prematura.

O que é louco nesta situação é que os Estados Unidos perderam de vista a questão central – e perderam-na durante 40 anos. Para quebrar o ciclo de pobreza, um país necessita de investir no futuro das suas crianças, e não na detenção de 2,3 milhões de pessoas por ano, muitas delas por crimes não violentos que são sintomas da pobreza.

Muitos políticos são cúmplices entusiastas desta loucura. Jogam com os medos da classe média, em especial com o medo da classe média de grupos minoritários, para perpetuar os erros cometidos em termos de esforços sociais e gastos públicos.

A questão central é a seguinte: os governos têm um papel único a desempenhar para assegurar que todos os jovens de uma geração – pobres e ricos – têm uma oportunidade. Se não existirem programas estatais sólidos e eficazes que apoiem educação de alta qualidade, cuidados de saúde e nutrição decente, não é provável que uma criança consiga livrar-se da pobreza dos seus pais.

Este é o génio da "democracia social", uma filosofia criada na Escandinávia, mas desenvolvida também em muitos países em desenvolvimento como a Costa Rica. A ideia é simples e poderosa: todas as pessoas merecem uma oportunidade e a sociedade deve ajudá-las a alcançar essa oportunidade. O mais importante é que as famílias necessitam de ajuda para criar crianças saudáveis, bem alimentadas e educadas. O investimento social é grande, financiado por impostos elevados, onde os mais ricos pagam e não fogem aos impostos.

Este é o método básico para acabar com a transmissão intergeracional da pobreza. Uma criança pobre na Suécia tem apoios desde o início da sua vida. Os pais têm direito a uma licença de maternidade ou paternidade para os ajudar a criar o seu filho. Além disso, o Estado garante cuidados diários de alta qualidade, permitindo à mãe - sabendo que o seu filho está num ambiente seguro - regressar ao trabalho. O governo garante que todas as crianças têm lugar na pré-escola para que estejam preparadas para integrar a escola primária quando atingem os seis anos de idade. E os cuidados de saúde são universais, permitindo às crianças crescerem saudáveis.

Uma comparação entre os Estados Unidos e a Suécia é, assim, reveladora. Usando dados e definições comparáveis fornecidos pela OCDE, vemos que a taxa de pobreza nos Estados Unidos é de 17,3%, o dobro dos 8,4% na Suécia. Já a taxa de detenções é 10 vezes superior à sueca: 70 pessoas por cada 100 mil. Em média, os Estados Unidos são mais ricos do que a Suécia, mas o fosso entre ricos e pobres nos Estados Unidos é muito superior ao da Suécia. E os Estados Unidos tratam os pobres com uma atitude punitiva e não de apoio.

Uma das realidades mais chocantes dos últimos anos é que a América tem, actualmente, um dos níveis mais baixos de mobilidade social entre os países mais ricos. O mais provável é que as crianças que nascem pobres permaneçam pobres; e as crianças que nascem ricas venham a ser adultos ricos.

Esta distância intergeracional equivale a um profundo desperdício de talentos humanos. A não ser que mude de rumo, a longo prazo, a América vai pagar o preço. Investir nas suas crianças e jovens permite alcançar o maior retorno que uma sociedade pode ter, quer em termos económicos, quer em termos humanos.

Project Syndicate, 2012.
Tradução: Ana Luísa Marques