por Mara Dionísio, in RR
Economista Silva Lopes projecta o ano que agora se inicia e identifica áreas carentes de reformas, depois de o chefe de missão do FMI para Portugal ter dito que os sacrifícios "não foram em vão" e de Passos Coelho ter referido que “estamos hoje muito mais perto” de conseguir declarar vitória sobre a crise.
No lançamento do ano que aí vem, o economista Silva Lopes pede mais moderação ao Governo, apela ao diálogo com a oposição e aconselha mais medidas de contenção do desemprego. Por outro lado, considera que a RTP pode abalar a estabilidade política caso se insista em avançar já com o dossier. Quanto a reformas, identifica a área que considera ser a mais necessitada: “Onde eu continuo desesperado é na justiça”.
O primeiro-ministro tem dito que 2013 será um ano difícil, mas que é preciso enfrentá-lo com coragem. Acha que é com coragem que vamos lá?
Precisamos, de facto, de não cair em pânico. A situação é difícil, é dolorosa para muita gente e volto a dizer que o caso que mais me aflige é o desemprego. A mim o que me preocupa não é que os reformados paguem mais ou que os impostos dos que têm emprego subam um bocado. Não é isso. O que me preocupa são os jovens, as pessoas de meia-idade e de idade avançada que não têm emprego. Esse é o problema mais grave. Por outro lado, é preciso que o Governo não ande nestas políticas tão provocatórias como tem tido até aqui nalguns domínios, nomeadamente esse da televisão, que não tem grande importância. Se eles adiarem isso dois ou três anos, o país sobrevive à mesma. Não é preciso estar com essas coisas. Acho aquilo uma fixação difícil de compreender.
Quais são os principais riscos para a execução do programa da “troika”?
O principal risco, em meu entender, é que Portugal não obtenha financiamentos internacionais suficientes para evitar que a crise económica se torne ainda pior. Mas ainda há outro risco externo. Na Europa, as coisas também não estão bem e, portanto, a procura para as exportações portuguesas pode ser prejudicadas e há o risco das exportações, que apesar de tudo têm sido a única coisa que tem evoluído de uma forma razoável em Portugal, terem uma evolução bastante menos favorável do aquela que a gente precisa.
Que outros riscos vê na execução do memorando?
Há o problema da reacção da economia ao agravamento dos impostos, que é uma coisa que a gente ainda não sabe bem como é que vai ser, mas que pode ser bastante negativo. O Governo prevê uma queda do PIB de 1%, há outras previsões que apontam para perto dos 2% e é bastante. Em cima dos 3% de queda que tivemos em 2012, mais 2% em 2013 aperta as dificuldades e, principalmente, cria mais desemprego, que é o problema mais grave de tudo isto.
O representante do FMI também fala em riscos internos, nomeadamente, a falta de consenso político. Isso preocupa-o?
Estamos a ver desde há bastante tempo que o Governo não tem apoio nenhum dos partidos da oposição e mesmo o apoio do PS é muito fraquinho. Acho que o PS vem atacando cada vez mais o Governo, e às vezes com razão, porque o Governo também dá a impressão que não liga muito à oposição. Diria que o risco político depende um pouco daquilo que o Governo resolver. Se o Governo continuar a insistir em medidas que revoltam muito os outros partidos e a opinião pública, esse risco existe. Estou a pensar na privatização da televisão. A privatização da televisão pode ser feita em condições de criar uma revolta política bastante grande.
A RTP tem sido inclusivamente motivo de mal-estar dentro da coligação.
Considero que nesse caso, o Governo o melhor que tinha a fazer era esquecer isso durante uns tempos, mas se querem andar com isso para a frente e provocar a revolta que provavelmente se adivinha, acho que a estabilidade política pode ser abalada.
Acha que a coligação se vai aguentar até ao fim do mandato?
Se eles forem mais cuidadosos nas medidas de confronto com a oposição, a situação é um bocadinho melhor. Apesar de que, como temos visto, haja uma grande dificuldade, porque o CDS não se quer associar as medidas de austeridade que ainda possam vir a ser necessárias. O CDS dá a ideia de que para eles medidas de austeridade já não querem mais. Ora bem, pode ser que sejam inevitáveis, apesar de tudo.
Como vê a posição do PS relativamente ao memorando da “troika”?
O PS, por um lado, não pode criticar demasiado o acordo com a “troika”, porque ele próprio o assinou, mas, por outro lado, também não quer ser associado a medidas que o Governo tome e que pareçam menos aceitáveis. Penso que não tem havido suficiente diálogo entre o Governo e o PS.
Qual é a sua expectativa para estas eleições autárquicas?
Penso que o Governo vai perder.
Qual a sua expectativa para 2013?
Espero que se vá fazendo reformas adequadas na saúde e na educação. Penso que aí se tem feito alguma coisa com mérito. É claro que na saúde há uma grande falta de dinheiro, está-se a cortar certos serviços de saúde importantes para a população, mas penso que a gestão que tem sido feita com o pouco dinheiro que existe que é bastante positiva. Na educação também tenho alguma esperança que haja mais reformas, porque o estado da educação em Portugal é um desastre. Agora onde eu continuo desesperado é na justiça. A justiça é um cancro em Portugal e não se está a fazer nada de jeito para corrigir a coisa.