Alexandra Campos, in Público on-line
O presidente da associação Rede de Cuidadores, fundada há três anos para apoiar crianças maltratadas, é o psiquiatra Álvaro Carvalho.
O presidente da associação Rede de Cuidadores lamentou hoje a “hipocrisia da hierarquia da Igreja Católica” após a divulgação do processo que levou à detenção do vice-reitor do Seminário Menor do Fundão por suspeita de abuso sexual de menores e depois de a ex-provedora da Casa Pia de Lisboa, Catalina Pestana, ter afirmado que conhecia outros casos entre membros do clero. “Quero que seja reposta a verdade dos factos e que a Igreja Católica deixe de tentar tapar o sol com a peneira”, explicou o psiquiatra Álvaro Carvalho ao PÚBLICO.
Repetindo que a Rede de Cuidadores (fundada há três anos para apoiar crianças maltratadas, na sequência do processo Casa Pia) recebeu “várias denúncias de abusos levados a cabo por sacerdotes e/ou responsáveis religiosos de instituições católicas”, o psiquiatra explica que a a associação só não foi mais longe nessa altura porque os crimes estavam prescritos, mas recorda, num longo comunicado, as tentativas feitas para ajudar a evitar a continuação de “tais práticas criminosas”.
Por saber que os abusos sexuais são praticados por “pedódilos, uma perversão sexual com registo compulsivo, logo incontrolável, e até ao momento sem cura, e por depravados que se consideram completamente incólumes”, continua, os dirigentes da associação optaram por dirigir-se aos “directos responsáveis” das instituições. O problema é que, se na maior parte das situações foram escutados, no caso da Igreja Católica isso “só aconteceu quando os abusadores, já condenados, eram ex-seminaristas, credenciados pela hierarquia, como os restantes, idóneos para exercer a profissão de professores de Religião Moral e Católica!”, acusa.
Álvaro de Carvalho lembra novamente a reunião de Março de 2011 com o então presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Jorge Ortiga, em que participaram ele próprio, Catalina Pestana e Odete Sá. O porta-voz da CEP, Manuel Morujão, não estava presente (ao contrário do que afirmou Catalina Pestana), “mas foi com ele que se estabeleceu, por telefone e email, todos os contactos para a efectivação do encontro”, recorda o psiquiatra. Na reunião, D. Jorge Ortiga afirmou que denúncias não eram suficientes” e desafiou-os a “apresentar provas”. Só um “reverendíssimo Bispo parece não saber que estes crimes vivem de silêncios e medos ancestrais, escondidos por muros espessos e altos”, indigna-se Álvaro de Carvalho, que não entende por que razão é que o bispo e a CEP nunca mais os chamaram, apesar de eles se terem oferecido para ajudar na metologia de selecção e formação de catequistas ou dirigentes de outros movimentos da Igreja.
Álvaro Carvalho destaca também as incongruências das posições do porta –voz da CEP, que, em entrevista a um diário, defendeu recentemente que a a gravidade deste tipo de acusações “é tal que exige discrição no seu tratamento”, quando dias antes desafiou Catalina Pestana a dizer publicamente os nomes dos eventuais criminosos. “Tal facto é crime de difamação. Dizem-me os católicos da Rede que também é pecado grave, mas sua Reverência lá saberá os métodos nos quais quer envolver outros”, critica. Se alguns dos dirigentes da Rede “sofrem com a hipocrisia da Igreja Católica”, outros “têm a inteligência e o discernimento de se manterem longe dela”, conclui.
O PÚBLICO tentou obter uma reacção do porta-voz da CEP, padre Manuel Morujão, que se escusou a fazer comentários, até porque não conhece o comunicado. Confrontado com as críticas de Álvaro Carvalho, Manuel Morujão disse apenas que o psiquiatra “pode afirmar o que acha”.
Após a denúncia da ex-provedora da Casa Pia, a Procuradoria-Geral da República divulgou a existência de dois inquéritos por suspeitas de abusos sexuais em instituições religiosas. Um está relacionado com a Ordem Hospitaleira de São João de Deus, que tem oito centros hospitalares no continente e ilhas. E o segundo inquérito foi motivado pelas palavras de Catalina Pestana, que prestou declarações no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa uns dias antes do Natal.