14.3.13

A crise dividiu a saúde na Europa

Romana Borja-Santos, in Público on-line

Esperança média de vida e mortalidade têm melhorado, mas há diferenças cada vez maiores entre países, diz a Organização Mundial de Saúde.

Apesar de o nível de saúde na Europa ter melhorado nos últimos anos, um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) que acaba de ser divulgado mostra que a crise contribui para o aumento das desigualdades entre países. Portugal revela no geral bons indicadores, mas também mostra grandes diferenças, nomeadamente na esperança média de vida entre homens e mulheres.

O documento The European health report 2012 - Charting the way to well-being, feito a cada três anos e que analisa 53 países onde vivem 900 milhões de pessoas, diz que estas estão a viver mais e melhor, com a esperança média de vida a crescer cinco anos desde 1980, situando-se em 2010 nos 76 anos – mas com tendência para assimetrias significativas.

Os autores salientam que as médias cada vez menos reflectem a realidade particular de muitos países, dando como exemplo que a diferença na esperança média de vida entre homens e mulheres (72,5 e 80 anos, respectivamente) continua a ser muito significativa e que de uma zona para outra também se assistem a grandes flutuações. Neste campo Portugal aproxima-se dos 80 anos, estando a meio da tabela e acima da média da OMS. Mas há discrepância entre os homens, que pouco passam dos 76 anos, e as mulheres, que chegam quase aos 83.

Espanholas são as que mais vivem
Na cauda da lista surgem países como o Quirguistão, onde os homens não chegam aos 65 anos e as mulheres não ultrapassam os 73. Ou a Rússia, onde a média dos homens não chega aos 63 anos, tornando-se no país onde as pessoas do sexo masculino vivem menos tempo. Pelo contrário, as mulheres espanholas são as que vivem até mais tarde, com uma média de 85 anos. Mas os homens que mais vivem, até pouco acima dos 80 anos, estão em Israel.

A OMS escreve também que, a manter-se a baixa natalidade, a população com mais de 65 anos representará 25% do total em 2050. “Com as populações europeias a envelhecerem rapidamente, os padrões de doença estão a mudar, criando diferentes necessidades nos sectores da saúde e social. Importantes mudanças demográficas e epidemiológicas estão a ocorrer em diferentes lugares e com intensidade variável dentro da região”, lê-se no documento.

Quanto a taxas de mortalidade, as mais elevadas foram encontradas na zona oriental da Europa e as mais baixas nos países ocidentais, apesar de haver um declínio global. As causas, refere a OMS, estão sobretudo nas doenças não comunicáveis, com as patologias relacionadas com o sistema circulatório a representaram 50% do total e as doenças oncológicas com 20%. No cancro, a OMS sublinha que os novos casos cresceram 32%, mas que, mesmo assim, desde meados da década de 1980, a mortalidade caiu 10%. Os cancros do pulmão, cólon, estômago e próstata são os que mais matam nos homens, e o da mama, pulmão, estômago, cólon, útero e ovários os que mais matam as mulheres. No caso de Portugal, a mortalidade prematura relacionada com doenças cardiovasculares, isto é, até aos 64 anos, é bastante positiva, com o país a ser a ser o 10.º com melhor indicador, depois de Israel, Islândia, Suíça, Noruega, França, Holanda, Itália, Suécia e Espanha.

Mas a OMS diz que, apesar disso, as doenças de declaração obrigatória como a tuberculose, o VIH e outras doenças sexualmente transmissíveis continuam a representar uma preocupação. “A incidência de VIH está a cair, contudo, é de reforçar a importância de um tratamento efectivo”, lê-se no relatório, que destaca uma queda de 30% nas mortes por tuberculose entre 1990 e 2010.

“A região europeia está a enfrentar importantes mudanças que estão a alterar as prioridades em saúde, e as necessidades de prevenção e tratamento no futuro. As tendências identificadas neste relatório ajudam a antecipar alguns dos desafios que a Europa está a enfrentar e que irá enfrentar no futuro”, diz a directora regional da OMS para a Europa, Zsuzsanna Jakab. E acrescenta: “Mas há iniquidades persistentes e espalhadas pela região, que em alguns casos se estão a agravar”.

Queda dos suicídios abranda
O documento destaca ainda outros indicadores, como a queda na taxa de mortalidade infantil e materna, a descida de 50% na mortalidade decorrente de acidentes de viação e o aumento da população a viver em áreas urbanas. Refere também a tendência para a queda das taxas de suicídio entre 24% e 40% nos vários países desde a década de 1990, mas diz que este indicador parece ter estagnado desde que foi publicado o relatório de 2009, o que pode estar relacionado com a crise económica que estalou nessa altura, dizem os autores, acrescentando que ainda é prematuro tirar conclusões mas que importa ficar atento.

Por outro lado, há outros estilos de vida a contribuírem para mais mortalidade, com o consumo de tabaco e de álcool entre os principais factores de risco, que já contribuem para 6,5% do total de mortes. Neste tema em particular, no que diz respeito aos fumadores regulares com mais de 15 anos, os portugueses estão mais uma vez a meio da tabela, com uma prevalência de mais de 30% nos homens e de pouco mais de 10% nas mulheres. Mas em termos de consumo de bebidas alcoólicas per capita o país surge logo no 15.º lugar, depois de países como República da Moldávia, Luxemburgo, Estónia, República Checa, Eslovénia, Roménia, Bielorrússia, Lituânia, Bósnia, Hungria, Irlanda, Letónia, Áustria e Alemanha.

Ainda no campo dos estilos de vida, a OMS apresenta uma tabela com a concentração anual de partículas nas grandes cidades, que se traduzem no desenvolvimento de várias patologias do foro respiratório, onde se mostra que muitos dos países estão acima dos valores recomendáveis, com a Turquia, Bósnia, Bulgária e Roménia a apresentarem os piores valores. Suécia, Estónia, Finlândia, Irlanda e Islândia são as únicas excepções, com valores dentro do recomendável.

Neste documento, à semelhança do que já aconteceu noutros anteriores, a OMS volta a reforçar a importância de se analisar o bem-estar geral quando se olham para os indicadores de saúde, insistindo que a definição de saúde da OMS passa “não apenas pela ausência de doença ou enfermidade”, mas por um “estado completo de bem-estar físico, mental e social”.