4.3.13

Beatriz Talegón ao i.“Os dirigentes dos partidos estão cada vez mais distantes das pessoas”

Por Pedro Rainho, in iOnline

A líder da Juventude Internacional Socialista critica a distância entre responsáveis políticos e eleitores e defende uma “remodelação” dos partidos


Há um mês esteve em Cascais para participar no Conselho da Internacional Socialista. Subiu ao palco e, olhos nos olhos, teceu as mais duras críticas aos dirigentes de 90 partidos socialistas de todo o mundo, que acusou de viverem numa realidade paralela à da austeridade. No final, recebeu uma ovação de pé. As respostas chegaram por e-mail, a partir de Viena de Áustria.

Houve quem tivesse ouvido com reserva as suas palavras em Cascais (ver texto ao lado). Porquê dizê-las ali, naquele momento?

Como secretária-geral da União Internacional de Jovens Socialistas, compete-me dar essa mensagem, nesse lugar. É a minha responsabilidade. A única diferença é que havia câmaras e, claro está, neste preciso momento, nós, os jovens, estamos também muito indignados com o que se passa no nosso dia-a-dia. Representamos a juventude a nível mundial, não podemos fazer outra coisa que não seja levantar a nossa voz para que nos escutem, e devemos começar na nossa própria casa.

Disse que “não é só a economia que deve mover o mundo”. Os responsáveis na Europa perderam a dimensão política?

Os responsáveis no mundo puseram a política ao serviço da economia, quando devia ser o contrário. A política é, para mim, a gestão da economia e de todos os recursos possíveis para o bem comum da sociedade, com base em determinados ideais. Quando os partidos políticos se pervertem e procuram votos para alcançar o poder, esquecendo a sua linha ideológica, perdem por completo o seu sentido.

Foi isso que aconteceu?

A nível global pode ser que, em certa medida, isso tenha acontecido. Na Europa, em concreto, vemos como a direita não responde a ideais, simplesmente a uma forma concreta de gerir a economia como se de uma empresa se tratasse. Arrasou o bem-estar, os direitos sociais e a igualdade da cidadania. E tudo isso para pôr o interesse comum ao serviço dos mercados.

Faz falta chamar à responsabilidade os responsáveis políticos pela actual crise?

A chamada está feita. O que faz falta é que assumam a responsabilidade e assumam que vai sendo o momento de mudar e deixar espaço a gente nova e diferente que possa apresentar soluções distintas. A cidadania está a sofrer, e de uma maneira especial a juventude. E não podemos permitir-nos o luxo de condenar uma geração. Temos direito a desfrutar da nossa juventude, de viver com ilusões e com vontade. A capacidade dos jovens, na hora de criar, dar a sua energia, não se pode ver cortada por uma classe dirigente que já demonstrou não ter soluções que valham. Fazem falta soluções e devem tomar-se já. Não é qualquer coisa, aquilo que está em jogo: é o nosso presente e o nosso futuro.

Esses erros devem dar lugar a um debate entre os socialistas?

Certamente. São questões que se falam nas ruas, inclusivamente nos intervalos destas reuniões. Mas ninguém as diz de frente, ninguém as diz no lugar onde cada um sobe para dizer “as coisas oficiais”. Já é momento de dizer a verdade no lugar central. Para assumir um compromisso com os nossos valores, mas também para com a militância e com a cidadania que cada vez entende menos para onde se dirigem os responsáveis políticos.

“Nenhum de vós está contente com o que se está a passar e nenhum veio dizê-lo aqui”. O cinismo tomou o palco da política?

Como disse há pouco, não há uma correspondência entre o que se diz num lugar e o que se diz noutro. No final, parece tudo uma grande fusão, na qual os actores dizem o mesmo, uma e outra vez, apesar de pensarem outra coisa. E entrou-se num círculo vicioso do qual parece quase impossível sair, quando na realidade é a opção mais simples. Falar com o coração e também com as ideias para que se comece a trabalhar.

Os partidos ainda representam os eleitores?

Não se deve generalizar. Mas creio que os dirigentes dos partidos estão cada vez mais distantes das bases dos partidos e, consequentemente, mais distantes da cidadania. O descontentamento está também dentro dos próprios partidos, e isso é algo muito sintomático. Dirigentes que se movem nas “cúpulas” durante toda a vida, que geram um buraco abismal no qual parecem ter-se situado longe do bem e do mal. Os partidos precisam de uma remodelação, de se adaptar à realidade e assumir que vivemos numa sociedade de rápidas mudanças, o que nos leva a pensar que os partidos devem ser mais ágeis, mais dinâmicos e, sobretudo, mais democráticos

Em que sentido defende que dependemos demasiado dos partidos?

No sentido em que os nossos partidos marcam o rumo na maioria dos casos, e identificam-nos a todos como membros de uma mesma corrente, coisa que na maioria das situações não tem correspondência com a realidade. A juventude é muito mais crítica do que se possa pensar, mas, normalmente, não tem canais para se expressar, e há certas sinergias que se converteram em algo de muito negativo, impedindo a comunicação baseada na cooperação e o entendimento para um avanço conjunto. Além disso, os jovens dependem dos partidos, também na maioria dos casos, para poder subsistir, porque precisamos dos seus recursos, dos seus locais, do apoio logístico, por vezes económico. Isso limita muito a liberdade das nossas organizações, e isso é algo que queremos mudar.

A crise contribuiu para despertar o activismo social?

Absolutamente. O problema é que despertou numa sociedade marcada pelo individualismo, e é por isso muito importante canalizar essa energia que se criou, porque, caso contrário, pode diluir-se e gerar maior frustração.

Antevê uma revolução no modelo político europeu?

Essa revolução já começou. Os valores devem mudar, devemos reconsiderar até onde queremos ir e perceber que a principal crise que estamos a sofrer em todo o mundo é de carácter humano. Estamos agora a compreender as consequências de levar a vida de consumo enlouquecido que temos tido até agora, não somente para nós, mas também o que vem acontecendo noutros lugares do mundo desde há muito tempo. É o momento de pensar global e de despertar consciências que permitam conviver de uma forma mais solidária e mais sustentável para a humanidade no seu conjunto.

É nessa mudança do mundo que acredita?

Totalmente.

Nos protestos mais recentes em Madrid foi obrigada a abandonar o local quando os manifestantes se opuseram à sua presença. Como foi esse episódio?

Foi um grupo pequeno que, aproveitando a presença de câmaras e meios de comunicação, tiveram um comportamento não civilizado, que nada teve a ver com o comportamento da ampla maioria da manifestação. Houve confrontos entre os manifestantes e a tensão no ar fez com que a polícia tivesse de nos tirar dali, por considerar que a situação se podia complicar.

Como se sentiu naquele momento?

Foi triste, porque um pequeno grupo de pessoas pôs o foco de atenção da manifestação no que não deveria sê-lo. Pelo contrário, os políticos devem estar junto dos cidadãos. Não é isso que se reclama?