Por Isabel Tavares, in iOnline
Este ano as misericórdias vão receber perto de 260 milhões de euros só em acordos de cooperação
O Instituto da Segurança Social pagou 1,277 mil milhões de euros a IPSS - Instituições Particulares de Solidariedade Social em 2012, só em acordos de cooperação. Nos últimos três anos 3648 entidades receberam quase 4 mil milhões de euros, bastante mais se incluirmos outros acordos e isenções fiscais.
As IPSS não têm todas a mesma dimensão nem oferecem o mesmo tipo de serviços, no entanto, feitas as contas, cada uma destas instituições recebeu em média mais de 350 mil euros por ano.
Estes números incluem as verbas relativas aos acordos de cooperação celebrados com as misericórdias que, de acordo co a União das Misericórdias Portuguesas (UMP), são cerca de 400 e recebem a fatia de leão.
“O montante estimado para pagamento às misericórdias é de 259,9 milhões de euros”, disse ao i o Instituto da Segurança Social, sublinhando que esta verba “apenas se refere aos acordos de cooperação”.
Se cruzarmos estes números, ficamos a saber que cada santa casa da misericórdia recebe este ano, em média, quase 650 mil euros - e aqui volta-se a salvaguardar que nem todas estas instituições têm a mesma dimensão e apoiam o mesmo número de pessoas.
Numa altura em que as misericórdias portuguesas reflectem sobre a sustentabilidade do Estado Social com o objectivo de contribuir para a discussão sobre o tema das funções do Estado, o jornal i quis saber mais sobre o papel destas instituições e a forma como são geridas.
“Já vamos no quarto ou quinto debate. O nosso objectivo é, no fim, fazermos uma publicação que entregaremos ao governo, aos grupos parlamentares, ao senhor Presidente da República, enfim um contributo das misericórdias e das pessoas que têm colaborado connosco e que são, felizmente, muitas”, disse à Rádio Renascença o presidente da UMP, Manuel Lemos.
Mas foram poucas as misericórdias que responderam ao desafio do i e nem mesmo a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), que tem estatutos diferentes das restantes - a tutela é exercida pelo ministro da Solidariedade e Segurança Social, Pedro Mota Soares -, respondeu às nossas questões.
Das respostas obtidas, foi possível perceber que, quase sempre, as instituições optaram por falar mais nos apoios concedidos e no trabalho desenvolvido junto da população do que na gestão interna. Em alguns casos, os salários e regalias pagas a trabalhadores tornaram-se autênticos tabus.
A Santa Casa da Misericórdia de Sintra (SCMS) foi das primeiras a responder. Dedica-se a três áreas de intervenção prioritárias - apoio a idosos, infância e acção social -, e dá resposta a uma média mensal de cerca de 2000 utentes.
Todos os meses apoia 70 idosos através do serviço domiciliário, dá acesso a equipamentos técnicos (aluguer de camas articuladas, cadeiras de rodas, comercialização de produtos para incontinentes, etc) a 25 pessoas, creche e jardins de infância para 250 crianças, banco alimentar para 1600 utentes (400 famílias), centro de emergência social para 30 utentes e apoio psicológico a 50 pessoas.
A instituição foi mais parca quanto a explicações sobre salários, por exemplo. Emprega cerca de 80 colaboradores, dos quais 21 têm formação superior, mas a SCMS prefere não dar valores, esclarecendo que estão de acordo com a tabela da convenção colectiva de trabalho para as IPSS. Ainda assim, confessa que “os tecnicos superiores recebem um pouco acima daquilo que é pago em outras IPSS da região de Sintra - porque temos alguma flexibilidade -, e, por exemplo, as educadoras de infância recebem menos que a função pública”, uma vez que se trata de funcionários de uma instituição privada.
Mais à frente, e ainda no plano dos benefícios para trabalhadores, a SCMS avança que “considerando as dificuldades financeiras, não existem prémios, mas apenas algumas regalias para colaboradores”. Entre as regalias contam-se “acesso a viaturas e telemóveis” para alguns trabalhadores e usados “apenas para fins profissionais” e “subsídios de coordenação e responsabilidade (para as chefias)”.
O telemóvel com plafond ilimitado e o acesso a viatura praticado na Santa Casa da Misericórdia de Sintra contrasta com o pland de 50 euros aplicado na Santa Casa da Misericórdia do Porto, por exemplo, onde não há direito a automóvel da instituição.
A Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) é das maiores do país. Tem 1230 trabalhadores remunerados, com ordenados que variam entre os 900 e os 1500 euros, entre os quais o do ex-deputado do PSD Agostinho Branquinho.
As receitas da SCMP, que apoia perto de mil pessoas por dia, provêm parcialmente do Estado e dos protocolos celebrados com três ministérios: Solidariedade e Segurança Social, Saúde e Justiça - a instituição é proprietária do Hospital de Santo António (gerido pelo Estado) e gere o Hospital da Prelada e a prisão de Santa Cruz do Bispo.
Mas parte do financiamento da santa casa, que tem uma despesa anual de 50 milhões de euros, vem das comparticipação dos utentes (lares, hospitais e educação) e da gestão de imóveis próprios (rendas).
Como todas as outras IPSS, a SCMP não tem fins lucrativos, mas considera os seus resultados “neutros”, cerca de 250 mil euros que são aplicados na totalidade.
A Santa Casa da Misericórdia do Porto tem algumas particulariedades e um âmbito de actuação vasto. Com 514 anos de existência, a instituição fundiu há alguns anos os seus diversos colégios para alunos com necessidades especiais (cegos, surdos, etc) e criou um único centro de ensino especial, o CIAD. Além disso, possui o Colégio Nossa Sra. das Preces (creche a 12.º ano), a Casa de Rua (apoio a sem-abrigo - refeição, quartos, chuveiros e lavandaria) e a Casa de Sto. António (protecção a vítimas de violência doméstica).