14.3.13

Prevenção reduziu taxa de tentativas de suicídio na Amadora em 23%

Andreia Sanches, in Público on-line

Projecto testado em quatro países. Coordenador fala em resultados "significativos".

São os primeiros resultados, em Portugal, de um programa de prevenção de suicídio desenvolvido a nível internacional, com financiamento da Comissão Europeia. Depois de, ao longo de 18 meses, ter sido posta em prática uma série de medidas, o concelho da Amadora registou uma redução de 23,3% na taxa de tentativas de suicídio, revela o coordenador português da Aliança Europeia contra a Depressão, o psiquiatra Ricardo Gusmão. O plano envolveu centenas de profissionais de diferentes sectores - da saúde às forças de segurança. E hoje será apresentada a metodologia desenvolvida.

O projecto chama-se OSPI-Europe ("Optimização de Programas de Prevenção do Suicídio e sua Implementação na Europa"). Está a ser aplicado em quatro países - Portugal, Alemanha, Hungria e Irlanda, tendo em vista a sua validação científica - e tem como objectivo "fornecer recomendações aos decisores políticos de saúde dos Estados-membros da União Europeia que permitam adoptar intervenções de prevenção do suicídio baseadas na evidência científica, em materiais concretos e instrumentos" específicos.

Em cada um dos quatro países foram escolhidas duas regiões: uma para aplicar o modelo desenvolvido pela Aliança Europeia contra a Depressão, outra onde nenhuma medida foi adoptada e que servia apenas como "região de controlo".

Em Portugal, explica Ricardo Gusmão, onde de há 15 anos a esta parte se regista uma "tendência para o aumento do suicídio", algo que só acontece em mais três países da União Europeia, a "região caso" foi o concelho da Amadora (cerca de 176 mil habitantes) e a "região controlo", Almada (166 mil).

Em 2009, antes de a estratégia de prevenção, a taxa de suicídio provável na Amadora era de 10,5 óbitos para cada cem mil habitantes e, em Almada, de 17,5 para cada cem mil habitantes. O conceito de "suicídio provável" é, sublinha o relatório que hoje será apresentado na Amadora, uma forma de ultrapassar a imprecisão do registo de suicídio. Alguns dados apresentados pelo investigador da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa: em Portugal, são contabilizados cerca de mil suicídios por ano, menos de três por dia. A estes somam-se cerca de mil mortes anuais por "morte violenta indeterminada".

O psiquiatra explica que se estima que 75% destas mortes indeterminadas sejam "suicídios escondidos" que, por várias razões (a pressão das famílias para que algo que ainda é estigmatizante não seja divulgado é um dos factores que costumam ser apontados), não aparecem nos certificados de óbito.

É com base neste indicador - "suicídio provável" - que o investigador diz que "a taxa anual de suicídio provável em Portugal pode atingir os 15 por cem mil habitantes". Seja como for, "corresponderá a um número superior a 12 por cem mil, ou seja, superior ao oficial, de 7,22 por cem mil". Os cálculos são feitos com base em dados de 2010. Mas não são consensuais (ver caixa).

Ansiolíticos e suicídio

O relatório mostra o que foi feito na Amadora. Receberam formação 110 profissionais de saúde (80% dos enfermeiros, 50% dos médicos e todos os psicólogos e assistentes sociais do Agrupamento de Centros de Saúde do concelho) e 423 polícias, padres, farmacêuticos, professores e outros.

Centenas de cartões com o contacto de uma linha telefónica, a Voz de Apoio, foram disponibilizados, destinados às pessoas que deram entrada na urgência do Hospital Professor Fernando Fonseca na sequência de "actos auto-agressivos". Neste hospital, 1113 profissionais assistiram a sessões de sensibilização e formação.

Constituíram-se os primeiros grupos de auto-ajuda para doentes com depressão. E 130 mil panfletos foram deixados em domicílios e em mais de cem instituições públicas e privadas. Houve posters e mupis nas ruas, durante 235 dias, ao longo de 18 meses. A mensagem foi esta: "A depressão tem tratamento", "a depressão é uma doença real", e "pode atingir qualquer pessoa em qualquer momento". Mais: há quem possa ajudar.

Ao longo do período da experiência, as tentativas de suicídio na Amadora desceram e em Almada (onde a estratégia não foi aplicada) subiram. O indicador mais ilustrativo, segundo Ricardo Gusmão, é o que mede o número de tentativas por cem mil habitantes: a redução na Amadora foi de 23,3% e a subida em Almada foi 13,1%. Dados sobre suicídios consumados não existem ainda, diz-se, mas os efeitos só deverão fazer sentir-se dentro de três a cinco anos.

Nos dois concelhos analisados, a maioria (53%) das pessoas que tentaram suicídio apresentava "um diagnóstico de perturbação do humor com síndrome depressivo associado", independentemente de sofrerem de outras patologias. "A esquizofrenia estava presente em menos de 5% dos casos. As patologias da adição (à excepção do álcool) estavam presentes em 5,7% dos casos e o alcoolismo estava presente em 10,4% dos casos."

Em relação aos métodos, em quase três quartos dos casos contabilizados em ambos os concelhos, isoladamente ou em associação a outros métodos, os ansiolíticos do tipo benzodiazepinas estiveram presentes. O álcool, isoladamente ou em associação a outros métodos, estava presente em 16,5% de casos.

O investigador faz questão de sublinhar que o resultado obtido é "estatisticamente significativo" e que existe uma "relação clara de causalidade" entre a redução do suicídio tentado e o OSPI. "Em números absolutos de tentativas de suicídio, foi observada uma redução de 18,05% na Amadora em relação a Almada."

Mais: houve melhorias ao nível dos conhecimentos, atitudes e competências observadas entre os médicos sobre a depressão e os comportamentos suicidários. E a formação teve ainda impacto noutros grupos profissionais.

Um censo telefónico realizado à população - mil inquéritos antes da campanha e outros mil depois - também revelou melhorias ao nível dos conhecimentos e dos "índices de estigma" associados à depressão.

O suicídio, nota Gusmão, "é uma complicação médica das doenças mentais, em particular da depressão" - doença que afecta 400 mil portugueses/ano. O relatório que hoje é apresentado contém dezenas de recomendações para o prevenir (ver texto nestas páginas).