Erika Nunes, in JN
A covid-19 veio exigir do Estado apoios sociais que se somaram a quase 5,6 milhões de prestações, em fevereiro, para ultrapassar os 7,1 milhões no mês seguinte.
Subitamente, pelo menos dois terços da população portuguesa passou a contar com o Estado para ter algum sustento durante a pandemia. São valores "assustadores", que não são sustentáveis por muito tempo, mas também não podem cessar de repente, alerta o economista José Reis, sob pena de "não terem servido de tampão à miséria que se segue, se as famílias não recuperarem rendimento entretanto".
Mês negro
O primeiro trimestre de cada ano nunca é o mais forte da economia: após a azáfama das compras de Natal, que levam o comércio a reforçar contratações sazonais, e o aumento do turismo, pelo menos no réveillon, que animam hotéis e restaurantes durante a época baixa, janeiro começa, geralmente, com insolvências, aumento de desemprego e mais pedidos de apoios ao Estado. Fevereiro foi ainda reflexo disso, com o processamento de quase 178 mil prestações de desemprego e 1629 trabalhadores em lay-off.
Aos mais de dois milhões de pensionistas do Estado (outros 479 mil da Caixa Geral de Aposentações), somaram-se centenas de milhares de prestações pagas pela Segurança Social a doentes, pais, viúvos, inválidos e a uma série de cidadãos abaixo do limiar da pobreza. Ainda que, em poucos casos, alguns destes apoios possam ter sido pagos cumulativamente ao mesmo beneficiário, somavam-se perto de 5,6 milhões de prestações.
Financiar a crise
"Chegámos a março e ficámos com valores de prestações completamente inusitados, quase tão assustadores como o coronavírus", analisa José Reis, economista e professor catedrático da Universidade de Coimbra.
"Tudo o que estava protegido pelo trabalho ficou desprotegido. E o único instrumento que temos, hoje, é o Estado. Não são as empresas, nem o capital, nem a banca, nem os "offshores". E isso foi a grande novidade: andámos anos a tecer loas ao capitalismo e, afinal, quem não falhou foi o Estado", acrescentou o coordenador do Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais.
De facto, em março, as ajudas do Estado dispararam. De repente, mais de sete milhões de portugueses passaram a receber algum tipo de prestação da Segurança Social.
"Trata-se de valores que nunca imaginámos, nem entravam nos cálculos", recorda o economista. "Vai ter de ser o Orçamento do Estado a transferir verbas para a Segurança Social. E vamos ter de encontrar outra forma de financiar o Estado", explica.
Miséria ou "offshores"
Noutras crises, noutros séculos, "podíamos emitir moeda para financiar o Estado, como fez agora o Banco de Inglaterra". Dentro da Zona Euro, a nossa "melhor opção é que o Banco Central Europeu emita dívida, de preferência perpétua, em que nos limitamos a pagar os juros anualmente".
Há, ainda, outra opção sugerida pelo economista: "Em estado de emergência, foi limitada a circulação de pessoas e até de mercadorias, mas não a de capitais. O Governo pode (e deve) ordenar às empresas portuguesas que repatriem o dinheiro que mandaram para "offshores". São centenas de milhares de milhões de euros que nos escapam", lembra José Reis. Até porque os apoios criados para as famílias nesta fase "não devem ser retirados antes de as pessoas terem a vida a funcionar, caso contrário não serviram para nada, a não ser adiar a miséria".
Apoios
Apoio a pais
171 mil e 323 beneficiários receberam apoio à família excecional pago aos pais de crianças cujas escolas ou creches encerraram a partir de 16 de março.
Lay-off
1,2 milhões de trabalhadores estão abrangidos pelo lay-off simplificado criado para empresas com mais de 40% de quebra de faturação.
Baixa a 100%
Os trabalhadores em isolamento profilático decretado pelo delegado de Saúde receberam desde o primeiro dia e a 100%. Mais de 40 mil.
Sem atividade
Os trabalhadores independentes com quebra total de atividade tiveram direito a um apoio de 438,81 a 605€ e já 180 mil pediram ajuda.