Por Beatriz Morais Martins, in TSF
O testemunho de um recluso que, por causa da pandemia do novo coronavírus, foi libertado sem cumprir a pena completa.
O jovem de 25 anos faz parte do grupo dos dois mil reclusos que o Governo decidiu libertar
O telefone tocou durante algum tempo, mas a chamada não foi em vão. Deu a conhecer a voz, mas não o nome nem o rosto. Também não lhe faremos um batizado fictício.
A voz trémula do outro lado do telefone é de um jovem de 25 anos que faz parte do grupo dos dois mil reclusos que o Governo decidiu libertar, como medida de combate à propagação do novo coronavírus.
Faltava-lhe um ano e meio para cumprir a pena, por isso foi-lhe concedido o perdão para que pudesse sair em liberdade. Um dos requisitos para essa liberdade era ter uma morada, mas a que tinha indicado, não tinha condições para o receber.
Nessa altura, em que lhe faltou teto, surgiu a Associação Confiar. É lá que cumpre o confinamento e cura as feridas nos pés que trouxe da prisão.
"Soube da Covid-19 pela televisão. E estou a proteger-me. Desinfeto bem as mãos, lavo bem as louças da refeição e as mesas. Tem sido sempre assim", garante o jovem.
A tão esperada liberdade surgiu-lhe quando menos esperava, por isso admite estar um pouco desorientado com a situação. Porém, a confusão não lhe tolda a motivação.
"As coisas têm estado paradas, mas assim que puder procuro emprego", garante.
A Covid-19, que obrigou o mundo a confinar-se, foi a oportunidade para começar de novo mais cedo e, desta vez, deu "valor a certas coisas a que antes não dava. Agora é ter força de vontade".
Luís Gagliardini Graça, o presidente da CONFIAR, revela que ao abrigo da lei sobre a Covid-19 esta associação apoia cerca de 25 ex-reclusos. O apoio estende-se às famílias, sendo que objetivo passa pela reinserção, mas também prevenir que as famílias dos ex-reclusos passem dificuldades.
O presidente da associação garante que a aposta na reinserção beneficia todos. "Cada recluso custa, de custos diretos aos impostos de todos nós, 20 mil euros por ano. Portanto todos os reclusos que podermos acompanhar e apoiar na reinserção são menos 20 mil euros por ano que estamos a deixar de gastar", sublinha.
O presidente da CONFIAR estima ainda que o Estado poupe quatro milhões de euros com a libertação dos dois mil reclusos e defende que esse montante seja reinvestido nas organizações e associações que prestam apoio à reintegração de ex-reclusos na sociedade.
As estatísticas revelam que 75% dos ex-reclusos voltam a cometer crimes, por isso, o presidente da CONFIAR entende que esta pandemia da Covid-19 pode servir de oportunidade para repensar o sistema prisional e o trabalho de reinserção social que deve ser feito.
É preciso uma ajuda personalizada. Para tal, "o trabalho em rede é fundamental porque apela à subsidiariedade, ou seja, quem está no terreno tem melhores condições para apoiar os ex-reclusos e as suas famílias do que a segurança social, que trata todos por igual", explica Luís Gagliardini Graça.
O presidente da CONFIAR dá o exemplo da Holanda como aquilo que deve ser feito em Portugal: "Tomaram consciência do problema de forma conjunta. Graças à intervenção das organizações não-governamentais e do Estado, o número de reclusos tem vindo a diminuir."