por Miguel Marujo, in Diário de Notícias
Portugal é um país em que as prestações são mais baixas que a média europeia, sem contar com as pensões, mas são também mais eficientes, defende um economista do Banco de Portugal, num estudo que acompanha o Boletim Económico deste organismo ontem divulgado.
No entanto, refere o mesmo estudo, o seu impacto na redução da desigualdade do rendimento é menor em Portugal porque as prestações são de facto pequenas. "Em termos de eficiência, Portugal é mesmo um dos países em que as prestações em dinheiro (excluindo pensões) são mais orientadas para os rendimentos mais baixos."
Estes dados, que desmontam os argumentos usados nas últimas semanas por Passos Coelho sobre o Estado social, mas também ideias veiculadas pelo relatório do FMI, são defendidos num estudo de um técnico do Banco de Portugal (BdP).
Passos Coelho chegou a dizer - usando números que apareceriam mais tarde no relatório do FMI - que "20% dos rendimentos mais altos têm 33% do rendimento que é redistribuído, 20% dos rendimentos mais baixos apenas conseguem 13% do rendimento redistribuído", misturando rendimentos de pensões com as restantes prestações sociais.
Os técnicos do FMI argumentaram no seu relatório que, "ao contrário de muitos países da OCDE e da UE, as transferências sociais em Portugal dão mais benefícios aos grupos com rendimentos mais altos do que aos grupos com salários mais baixos, agravando a desigualdade". E é o próprio FMI que se desmente (e corrige assim os dados usados por Passos) quando, na página 54 do seu relatório, reconhece que, excluindo pensões, as prestações sociais atingem 43,5% dos 20% que têm rendimento mais baixo, enquanto que os 20% de rendimentos mais altos têm uma redistribuição de apenas 8,9%.
No artigo intitulado "Uma perspectiva sobre a redistribuição do rendimento em Portugal e na União Europeia", Nuno Alves reforça estes números, com factos que rejeitam a ideia sobre os valores das prestações sociais (as pensões são excluídas do estudo porque "a redistribuição operada pelo sistema de pensões tem uma natureza muito distinta das restantes prestações em dinheiro").
Escreve o economista do BdP que "no caso específico de Portugal, o impacto das prestações em dinheiro na diminuição da desigualdade é ligeiramente inferior [7,2 p.p.] ao registado na média da União Europeia [7,7 p.p.]. Este facto é usualmente interpretado como revelando não só uma menor eficácia mas também uma menor eficiência das prestações em dinheiro", como fez Passos Coelho.
Esta afirmação é desconstruída no estudo, ao comparar-se o "impacto das prestações em dinheiro sobre a desigualdade e a pobreza". "Na verdade, o menor efeito redistributivo das prestações em Portugal parece resultar estritamente do facto de a despesa nestas prestações ser relativamente baixa" (cerca de 6% do rendimento das famílias face aos 8% "na área do euro e da UE"). Sublinha o texto que, "em contraste, em termos de eficiência, Portugal destaca-se como um dos países em que as prestações sociais em dinheiro são mais progressivas".
Há uma ressalva significativa, feita pelo autor, ao aferir "o impacto redistributivo de alguns desenvolvimentos recentes" nas políticas "após 2009", ano dos dados recolhidos para o estudo. O técnico do Banco de Portugal refere que se verificaram "alterações significativas" nestes três últimos anos, exemplificando com as regras de cálculo do subsídio de desemprego e a restrição ou redução no acesso às prestações.
"Estas alterações", sublinha Nuno Alves, "deverão ter contribuído para mitigar o impacto redistributivo destas prestações em Portugal - devido à diminuição de transferências com um elevado grau de progressividade - e, neste sentido, deverão ter contribuído para um aumento da desigualdade na distribuição do rendimento".


