4.3.13

Portugueses aceitam pagar mais por um SNS melhor

Por Marta F. Reis, in iOnline

O ministro da Saúde defende que um dos problemas do país é não saber fazer escolhas e pensar sempre a somar. O secretário de Estado, Leal da Costa, concretizou mais tarde a ideia de Paulo Macedo: pensar o futuro do SNS passará por saber o que se quer e do que se quer abdicar. O i fugiu de Lisboa e Porto e ouviu contribuintes de norte a sul, que a tutela diz serem o centro da decisão. Consensual entre todos é que, em matéria de cedências, os custos são a única coisa em que aceitam mexer e já têm abdicado da proximidade. Mas só trocam pagar mais por atendimento de qualidade.

Doze vozes A pergunta faz-se com cuidado: aceitava abdicar de alguma coisa no SNS? A resposta chega a surpreender: porque não taxar mais quem abusa e vai ao médico sem ser preciso? Porque não um seguro mensal ao Estado e deixar assim de ter de pagar sempre que se vai ao centro de saúde ou faz um exame? “Escreva, talvez o ministro fique mais elucidado”, diz quem paga 120 euros por um ginecologista privado para não ter de esperar meses ou ser visto por um médico que não é especialista.

01. Preços podiam aumentar para abusadores

Euclides Fernandes, 55 anos, Funcionário de uma funerária
Não tem tido o “azar” de precisar, mas tem médico de família e marcar consultas é tarefa fácil. “Marcamos por telefone.” Abdicar do centro de saúde ou do hospital central está fora de questão. “Para onde é que íamos? Além disso, vem toda a gente dos concelhos à volta para cá.” Subir taxas que considera “justas” não é aceitável, mas tem uma ideia: o sistema abdicar das benesses a “abusadores” e taxá-los mais. “As pessoas só deviam ir ao médico quando têm mesmo necessidade e isso não acontece.”

02. Descontar
mais para se livrar do seguro privado

Carlos Montês, 41 anos, empresário
O Centro de Saúde na Meda tem urgências até à meia-noite. O hospital da Guarda fica a 20 minutos. “Há sempre problemas mas estamos bem servidos”, diz Carlos Montês. O problema é que nem sempre o SNS dá aquilo de que precisa. Fez um seguro privado para poder ir ao dentista e ter desconto em aparelhos auditivos. “Não me importava de descontar mais se soubesse que o dinheiro era canalizado para a saúde e tinha os benefícios que agora só consigo no privado.”

03. Dúvida: quem já abdicou ainda tem de abdicar?

Ana Costa, 45 anos,
funcionária de farmácia
“Queremos tudo e mais barato.” Ana Costa diz que já abdicou do que tinha a abdicar: o hospital mais próximo é em Abrantes e tem vindo a perder especialidades. “Algumas já só existem em Torres Novas e em Tomar”, diz. Além das esperas e da taxa, paga a deslocação. “Não é justo pagarmos o mesmo”, defende. Algumas consultas têm de ser no médico particular, como dentista ou pediatria. Valem lá em casa os benefícios do subsistema de saúde do marido, agente da PSP. Também disso abdicou: “Ajuda com as consultas do nosso filho mas deixou de abranger os cônjuges.”

04. Pôr fim à ADSE, pagar mais e ter muito mais

Lénia Santos, 51 anos, escriturária
Tem médico de família? Lénia Santos hesita: os médicos cubanos no centro de saúde de Cercal do Alentejo vão e vêm. A relação com o SNS “é complicada”. Se for uma consulta sem pressa, há vaga na semana seguinte. Se for urgente, só chegando às 5h da manhã. O Hospital do Litoral Alentejano fica a 40km. São dois autocarros, porque a unidade fica longe do centro de Santiago do Cacém. “Já temos abdicado: o transporte para exames no hospital já não está coberto”, diz. “Talvez pudesse pagar mais um ou dois euros no centro de saúde por melhor acesso.” E “pôr fim” à ADSE, por uma questão de igualdade.

05. Consultas de especialidade a 30 euros mas rápidas

Maria Ferreira, 58 anos, administrativa
Tem médico de família e 5 euros de taxa não é caro. “Mas o princípio não é pagar impostos para ser gratuito?”, pergunta. O hospital mais próximo de Coruche é em Santarém, a 40 km. Precisou de um seguro para as consultas de cardiologia ou ginecologia. “Para ser no hospital é preciso ir à médica de família, nunca se sabe o tempo que demora e depois pagar a deslocação até Santarém, não compensa.” Se houvesse as mesmas consultas em tempo útil no SNS, e perto de casa, daria até 30 ou 40 euros. “Mas as coisas tinham de funcionar”, diz.

06. Pagar mais para entrar no sistema a tempo

António Rosmaninho, 55 anos, técnico de electrónica
O médico de família funciona. Não é na freguesia onde vive, Vila Nova de Monsarros (Anadia), mas ao lado, em Aguim. É 1 km que os mais velhos não fazem a pé mas que a vizinhança resolve com boleias. O hospital é em Coimbra, a 3km. O pior é a espera: precisa de uma consulta de oftalmologia e só daqui a dois anos. “Já desconto 240 euros por mês”, diz. Pagar 70 euros no particular aguenta-se uma vez mas quer “entrar no sistema”, ser seguido no Estado. “Não me importava de pagar 20 ou 25 euros para ter a primeira consulta”. Hoje custa sete mas nunca mais chega.

07. Um sistema mais sério valia o dinheiro

Médico de família não tem, não tem havido pessoal no centro de saúde de São Teotónio. O hospital é em Santiago do Cacém, a 60 km. Não tem carro por isso vai de táxi, deslocação que chega a 60 euros. A queixa é consensual: ser vista por um especialista é tarefa difícil e chega a fazer 120 quilómetros para ter uma consulta no ginecologista privado em Beja, por 80 euros. Aceitaria pagar mais no Estado, desde que não lhe “vendessem” médicos de clínica geral a fazer de ginecologistas no centro de saúde, como acontece. “Tem de haver mais informação, um sistema mais sério.”

08. Mais especialidades sem sair de Portugal

Francisco Fialho, 81 anos, reformado
Francisco Fialho não está isento de taxas moderadoras no SNS por um triz – tem uma pensão de 630 euros – mas não é disso que se queixa. Também já teve de esperar menos pela consulta no médico de família que o acompanha em Elvas vai para 40 anos, mas não são os 20 a 25 dias que o fazem mudar de opinião sobre a qualidade do SNS. O único reparo é que para oftalmologia sai mais rápido e barato ir ao hospital privado em Badajoz, onde as consultas ficam por 55 euros. Se cá oferecessem o mesmo, perfeito. Assim pede boleia à filha, dão uma volta e aproveitam para abastecer.

09. Abdicar do sistema que funciona por favor

Marta Rodrigues, 36 anos, contabilista
Sem médico de família, consegue vaga no centro de saúde de São Bartolomeu de Messines de uma semana para a outra. As consultas de especialidade são o problema. O hospital em Portimão é a 30 minutos de carro mas é difícil esperar. Pelo ginecologista paga 120 euros no privado e valores parecidos por oftalmologia ou pediatria. Abdicava de pagar “tantos impostos” já que precisa de ir ao particular, mas também do sistema assente em favores. “A impressão é que só quem conhece um médico ou alguém é que tem respostas atempadas além do básico.”

10. Abdicar dos impostos que não melhoram o SNS

Rui Loureiro, 35 anos, técnico
de electrónica de segurança
Os impostos aumentam mas funções do Estado que seriam importantes como o SNS continuam na mesma. Rui Loureiro não se considera utente: “Tentei há 15 anos começar a ir ao médico de família mas ou faltava, ou tinha de ir para lá às 5h da manhã, ou era mal atendido.” Desde então tem um seguro de saúde e por 300 euros anuais mais uma média de 15 euros por consulta vai ao médico quando quer e sem perder o dia de trabalho. “Abdicar? Abdicava de pagar impostos para o SNS, já que parece que não é na melhoria dos serviços que são usados.”

11. Um seguro público como no Canadá

Idalina Rosa, 49 anos, secretária de administração
Depois de há 12 anos ter regressado do Canadá e ter apanhado um choque com o SNS, a nova Unidade de Saúde Familiar em Massamá foi uma lufada de ar fresco: marca consulta com o médico de família numa semana ou no mesmo dia se for urgente. Mas o modelo que conheceu em Vancouver parece-lhe ainda o melhor: além dos impostos, pagavam 80 dólares mensais para acesso total sem taxa moderadora e eram os serviços que ligavam a dizer que era altura de fazer os exames e consultas de rotina. “Havia um verdadeiro seguimento.”

12. As cedências fazem-se quando é importante

Ana Gomes, 43 anos, administrativa
Ana Gomes tinha hipótese de estar inscrita num centro de saúde a 5 km de casa, nos arredores de Braga. Mas quando a médica de família de há dez anos se mudou para uma unidade no centro da cidade quis ir com ela, mesmo triplicando a distância. “Valorizamos a qualidade e a confiança, mesmo que signifique gastar um pouco mais”. Da mesma forma, não se importava de pagar mais no SNS para a sua filha não estar há dois anos à espera de uma consulta de dermatologia no hospital. “Não tenho capacidade para ir ao privado, mas não me importaria de pagar 10/20 euros pela consulta se fosse rápido.”