Por Marta F. Reis, in iOnline
ARS do Algarve paga 1600 euros/mês pelo alojamento de quatro médicos em Loulé. Em Alpiarça, ARS Lisboa e Vale do Tejo, é a câmara que paga. E foi quase chantagem
A Administração Regional de Saúde do Algarve fechou em Abril um contrato de 33 600 euros com uma residencial de Loulé para o alojamento de quatro médicos cubanos por um período de 21 meses. É a primeira informação publicada no site governamental base.gov.pt sobre o acordo entre o Estado Português e o governo cubanos para o envio de médicos para Portugal. Entre os médicos, a reacção é de surpresa, dado que o SNS não contribui para o alojamento de médicos portugueses nem nunca pôs essa hipótese para atrair clínicos a zonas carenciadas. Entre autarcas, a reacção não é melhor. Segundo o i apurou, o SNS paga o alojamento no Algarve, mas pede às câmaras para o pagarem na região de Lisboa.
O contrato entre a ARS Algarve e a Residencial D. Payo data do final de Março. Ontem, ao final do dia, a ARS disse que no âmbito do acordo de cooperação celebrado em 2009 entre a Administração Central do Sistema de Saúde e os Serviços Médicos Cubanos esta é uma obrigação da ARS, informando que garante o alojamento a outros 12 médicos cubanos na região - esses contratos não estão publicados e não foram cedidos valores.
Até hoje, e não obstante as solicitações à tutela, o acordo entre Portugal e Cuba - fechado ainda no governo Sócrates - não é público. Em perguntas feitas no parlamento sobre casos pontuais, o ministério respondeu em 2010 que, no caso de Alpiarça, a directora do Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria (ARS Lisboa e Vale do Tejo) solicitou à câmara que contribuísse com alojamento e demais logística. Foi esta a resposta que levou o i a contactar o autarca Mário Pereira. Em Alpiarça é o município que, desde 2009, paga a renda dos dois médicos cubanos. Mário Pereira lembra que foi quase uma chantagem para ficar com dois cubanos no início do programa. "Disseram-nos que ou suportávamos o alojamento ou havia outros municípios que o fariam."
Em Loulé, o autarca Sebastião Seruca Emídio reage com surpresa: não sabia sequer que os médicos viviam na residencial nem nunca foi pedido à câmara que lhes pagasse o alojamento: "O que nos foi dito foi que os encargos com médicos estrangeiros seriam sempre suportados pelas autarquias", contrapõe Mário Pereira. "Havia falta de médicos, por isso entendemos que deveríamos suportar o encargo." Desde então a câmara paga perto de 600 euros de renda pelo alojamento e contas de um casal de médicos - o primeiro casal foi substituído por outro em 2012. Alugam um T2 . Em Loulé, o alojamento inclui um quarto, cozinha e casa de banho privada, por cerca de 400 euros/mês cada um.
Para Mário Pereira, se já era injusto a câmara ter de suportar aquilo que deveria ser um encargo central - garantir médico à população - saber que em Loulé é o SNS a pagar causa indignação e é mais uma desigualdade que não vai tolerar. "Vamos ter de averiguar. Ainda é um encargo anual de 7200 euros que faz falta numa câmara pequena."
A tutela insiste desde 2010 que a remuneração dos cubanos é igual à dos portugueses. O i tentou perceber em que medida a garantia de alojamento surge no acordo, qual é a regra e se alguma vez foi ponderado o mesmo incentivo para portugueses. O gabinete do ministro reencaminhou os esclarecimentos para a ARS Algarve. "O Ministério não interfere na autonomia das unidades. Pelo menos num primeiro momento, são elas que devem responder", disse fonte oficial.
Médicos contra desigualdade defendem incentivos no interior. Associação de Médicos de Família prepara solução
Para Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) são duas surpresas numa: primeiro os médicos cubanos terem direito contratual a casa. Depois haver casos em que é a tutela a pagar.
Rui Nogueira, vice-presidente da APMGF, diz que o acordo com médicos cubanos com este tipo de apoios faria sentido numa situação de carência total, mas questiona o facto de se ter avançado para ela antes de incentivar médicos portugueses na mesma medida e se continuar a demorar meses a colocar novos especialistas. Em matéria de incentivos, a APMGF está mesmo a trabalhar numa proposta de remuneração dos médicos que acredita que poderia o problema da falta de atractividade de algumas zonas do país._A ideia é que seguir 1500 utentes num concelho envelhecido do interior não é o mesmo que no centro urbano, onde há pode haver menos casos de idosos que exigem muita atenção e menos deslocações diárias ou pelo menos menores. Assim, a dimensão das listas de utentes deve reflectir as circunstâncias locais. Os médicos seriam compensados em função da população seguida, que pode exigir mais médicos ou mais horas de trabalho pagas.
Para Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do SIM, a questão dos médicos cubanos tem contornos ainda pouco claros. Embora o acordo não seja público, diz que os clínicos recebem apenas 25% do salário, sendo o resto enviado para Cuba. “Não tenho dúvidas que numa acção concertada entre o MS e as autarquias, mesmo agora, em tempo de crise seria possível haver incentivos à fixação no interior”, defende. “Se pagassem mais 1000 e tal euros e dessem casa a médicos não tenho qualquer dúvida que mais facilmente seria possível irem para Loulé portugueses. Como nunca houve essa possibilidade, é mais fácil contratar empresas ou cubanos”.