Por Sérgio Soares, in iOnline
Crise, peso dos impostos e contribuições elevadas para a segurança social são culpados da situação
O peso da economia não registada (ENR) evoluiu em Portugal de 9,3% em 1970 para 24,8% em 2010, sugando neste último ano à economia oficial mais de 32 mil milhões de euros, que comparam com os 129 772 milhões de euros do produto interno bruto (PIB) nesse ano .
A conclusão é de um estudo liderado por Óscar Afonso, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP).
De acordo com o estudo, em 2010, a economia paralela representou, em termos do PIB, 0,68% no sector agrícola, 5,9% na indústria e 17,6% nos serviços.
A economia informal portuguesa expandiu-se para um quarto do PIB em 2010, retirando ao país receitas vitais em tempos de crise.
A economia não registada cresceu 2,5% em 2010 e deverá ter crescido ainda mais nos dois anos seguintes, com o agravamento da crise.
Em 2010, esse valor ascendeu a 8 mil milhões de euros em perdas de receitas para os cofres do Estado.
“Estamos ainda a analisar os dados de 2011, mas se levarmos em conta a subida dos impostos e o crescimento do desemprego, espera-se uma nova subida na economia não registada”, diz Óscar Afonso. O estudo sugere que a economia paralela em Portugal é muito maior do que a média dos 16 países da OCDE, que se situava em torno dos 17% do PIB em 2003, último ano com dados disponíveis. Apenas a Grécia e a Itália ultrapassam Portugal.
Receitas perdidas As perdas do Estado em impostos são superiores aos seis mil milhões de euros dos fundos de pensões da banca transferidos pelo governo para tentar atingir o défice de 4,5% negociado para este ano com a troika.
Em 2011, Portugal subiu o IVA para 23% e uma vasta gama de produtos que beneficiavam de taxas reduzidas ficou sujeita à taxa máxima.
As duras medidas de austeridade causaram uma queda abrupta no consumo que levará provavelmente a uma contracção de 3,1% da economia este ano, a somar à queda de 1,6% da economia de 2011. A ENR corresponde à parte da economia que, por diversas razões, não é avaliada pela contabilidade nacional e existe em todos os países. É composta pela produção ilegal, produção oculta (subdeclarada ou subterrânea), produção para uso próprio e produção não coberta por estatísticas deficientes.
“Assim se explica, por exemplo, a sobrevivência das populações em países com PIB per capita abaixo do limiar de subsistência”, sublinha o estudo. As causas consideradas são, entre outras, a carga fiscal (impostos directos e contribuições para a segurança social), a carga de regulação (consumo do Estado) e a evolução do mercado de trabalho (trabalho por conta própria e taxa de desemprego).
“Um trabalhador fabril tem um segundo emprego conduzindo um táxi ilegal à noite; um canalizador arranja uma fuga num cano a um cliente, é pago em dinheiro, mas não declara os seus rendimentos; um traficante de droga faz uma venda na rua. Estes são exemplos de economia paralela – actividades legais e ilegais que somam milhares de milhões de dólares anuais e que não são contabilizados, ficando fora das receitas de impostos cobradas e das estatísticas oficiais”, dá como exemplo o Fundo Monetário Internacional.
“A economia paralela na UE parece ter atingido um pico em 2007 por efeito imediato da crise. O agravamento da pressão fiscal e a recessão estão a levar a um recrudescimento da economia paralela”, reconhecei ao i o economista Sérgio Vasques, da Universidade Católica.
Para o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, os valores respeitantes a Portugal – cerca de 19% do PIB – comparam mal com a Europa ocidental, mas comparam bem com a Europa de leste.“Estamos na média europeia, mas apenas porque na UE a 27 se integram países com instituições políticas e económicas profundamente deficientes”, considera.
Dinheiro vivo veio para ficar Sérgio Vasques diz não ter dúvidas de que os agravamentos fiscais de impostos como o IVA, que alimentam directamente a economia paralela, sobretudo em sectores de risco, estão favorecer o crescimento dessa economia não registada.
Referindo-se a um estudo de Friedrich Schneider sobre a dimensão da economia paralela na OCDE, o economista da Católica admite um crescimento da economia informal e diz recear que, no caso português e talvez na generalidade dos países do sul, esse crescimento seja ainda mais pronunciado.
Sérgio Vasques sublinha que também em Portugal alguns sectores de actividade se mostram problemáticos no que respeita ao combate à evasão fiscal, como a construção, agricultura, restauração, imobiliário (arrendamento) e serviços pessoais e domésticos.
“Uma das vantagens comparativas que Portugal tem é a grande popularização dos pagamentos electrónicos, que seguramente mitiga a fraude no retalho”, adianta, sublinhando que “uma das tendências mais dramáticas da actualidade é o regresso ao dinheiro vivo, um regresso que depois não se desfaz rapidamente”.
“As medidas tomadas pelo governo na prática têm estimulado o regresso ao dinheiro vivo, quando se deveria pensar urgentemente em estimular os pagamentos electrónicos, se necessário pondo em discussão os valores cobrados ao comércio por estes serviços”, sublinha.
Um estudo recente da A. T. Kearney sobre a economia paralela em Portugal considerava que esta poderia ser diminuída dos actuais 20% para 15% do produto interno bruto no caso de, nos próximos quatro anos, serem aumentados em 10% os pagamentos através de meios electrónicos.
Esta é uma das conclusões do estudo da consultora para a Visa Europa que também avalia em cerca de 33 mil milhões de euros a economia paralela em Portugal, dinheiro que circula à margem da lei e que se traduz no não pagamento de impostos e, por isso, na redução das receitas do Estado.
“O problema que vejo em Portugal é que as medidas de combate à economia paralela surgem muito dirigidas à arraia miúda, ao mesmo tempo que se transige com a evasão de maior dimensão”, sublinha o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
“Além da estatística sempre falível, o regresso à economia paralela é agora rápido e palpável no dia-a-dia. Digo regresso porque vemos renascer práticas das quais só temos memória dos anos 80 e que julgávamos desaparecidas de vez”, sublinha.
“Ainda esta semana dei conta de que a farmácia que frequento deixou de usar multibanco, isto num sector que sempre primou pela automatização”, disse. “O meu receio é que, feito este regresso aos anos 80, não saiamos de lá tão cedo. Com o IVA a convergir para os 23% e a pressão de tudo o mais, parece-me que a economia do dinheiro vivo veio para ficar”, sustenta.
Quanto ao eventual lado positivo da economia paralela, Sérgio Vasques condena qualquer tolerância face ao fenómeno.
“Dizer que o mercado paralelo revitaliza a economia é como dizer que o crime cria postos de trabalho. Não vejo que uma economia sã, moderna, sustentável, com concorrência leal possa assentar no incumprimento de obrigações fiscais, contributivas, laborais, de higiene pública”, sublinha.
“Claro que a economia subterrânea pode amortecer a pancada que se sente na economia formal, transitoriamente, mas viver debaixo de terra não é um projecto para o país”, conclui Sérgio Vasques.