in Porto Canal
O bispo Emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, afirmou hoje que Portugal está a viver uma situação idêntica à que se vivia na região de Setúbal na década de 80 e que há muitos portugueses com a vida "desgraçada".
"A situação que eu vivi em Setúbal, e que procurei divulgar o mais que pude, era localizada numa região muito industrializada e onde havia muitos trabalhadores provenientes de outras zonas do país", disse à agência Lusa o bispo Manuel Martins.
"Havia situações de fome, famílias que não conseguiam manter os filhos a frequentarem cursos superiores em Lisboa", recordou, afirmando-se convicto de que a situação vivida no distrito de Setúbal na década de 80 era muito idêntica à que se vive hoje, de uma forma generalizada, em todo o país.
Apelidado de "bispo vermelho", pela denúncia sistemática de casos de fome e degradação das condições de vida da população quando era bispo de Setúbal, D. Manuel Martins não tem dúvidas sobre a origem dos muitos problemas económicos e sociais que hoje se abatem sobre muitas famílias portuguesas.
"É uma situação generalizada em Portugal e que eu julgo que não vai melhorar, porque tem raízes filosóficas e económicas muito profundas, muitos discutíveis e eu ia dizer até muito condenáveis", afirmou.
"Às vezes sinto que pregar a esperança parece quase uma heresia, porque vai ser muito difícil sairmos desta situação", frisou, salientando que hoje como ontem os mais pobres não têm outra alternativa senão gritar bem alto para serem ouvidos.
"Recordo que, quando estava em Setúbal, eu recebia grupos de pessoas de todo o lado - associações, desempregados, gente de todo o lado -, e dizia-lhes para irem para a rua e para gritarem alto. E para arranjarem muita gente para gritar com eles, porque só gritando muito alto teriam alguma possibilidade de serem ouvidos por quem estava no poder", lembrou.
"Julgo que a situação vai piorar, cada vez vai haver mais pobres, mais pessoas sem pão, sem trabalho, sem casa", acrescentou.
Perante uma situação económica e social tão difícil, defendeu que os atuais governantes deveriam falar com o principal partido da oposição e com os antecessores que viveram situações semelhantes, para poderem dar uma resposta mais eficaz aos problemas.
"Acho incrível que, perante uma situação tão grave, o governo não ouça pessoas que passaram pelos mesmos problemas e o líder do principal partido da oposição. Acho que isto é inacreditável, até porque, em termos políticos, também retirava terreno ao líder da oposição", disse.
"Mas, qualquer governo que lá esteja, mesmo estes que amanhã ou depois de amanhã venham a tomar o poder, sabem que vão encontrar esta dificuldade, eventualmente muito mais agravada e, por isso, consideram que é muito melhor continuar a protestar do que ir já para o governo", concluiu o Bispo Emérito de Setúbal.