11.3.13

'Ninguém deixa de ser pobre por receber o RSI'

por João Madeira, in Sol

Carlos Farinha Rodrigues, economista e investigador do ISEG, considera que o Rendimento Social de Inserção é «extremamente eficaz» no seu objectivo: reduzir a intensidade da pobreza.

O número de beneficiários de RSI tem diminuído, mesmo com o aumento do desemprego. Porquê?

As alterações nas condições de elegibilidade expulsaram da medida muitos beneficiários. O maior paradoxo destes tempos é o enfraquecimento da política social num período de crise, quando ela é mais necessária. Estamos a deixar milhares de portugueses ao abandono, quanto muito apenas com o apoio das instituições de solidariedade social. Todos os indicadores mostram que há um aumento do número de cidadãos em dificuldade.

Tem havido também mais rigor na fiscalização.

Concordo com o controlo de recursos e o rigor na atribuição, mas a verdade é que o RSI sempre foi a medida mais vigiada na Segurança Social. Certamente que há fraudes, mas acredito que menos do que noutras medidas com intervenção do Estado, porque o controlo tem sido muito grande. Há opções que são inócuas em termos de efeitos práticos e apenas servem para desprestigiar a medida. Ainda estou para saber quantas pessoas foram excluídas do RSI por terem mais de 25 mil euros no banco, por exemplo. Foi uma medida inócua na concretização, mas passou a imagem que há uns bandidos com fortunas no banco que estão a viver à custa do Estado.

Há preconceitos em relação ao RSI?

Penso que sim. Há muitos dados que não são evidenciados. A nossa taxa de pobreza tem andado à volta de 19%, mas o número de beneficiários de RSI nunca passou os 4% da população. Isto significa que é uma medida dirigida aos mais pobres entre os pobres. Outra questão interessante é que o RSI nunca foi concebido para tirar pessoas da pobreza, porque o montante deste apoio fica abaixo da linha de pobreza. Em sentido estrito, ninguém deixa de ser pobre por estar no RSI. Se tivermos um indivíduo com 400 euros por mês e outro com 100 euros, ambos são pobres, mas o segundo vive pior do que o primeiro. O RSI é uma medida para combater a intensidade da pobreza. A redução do número de beneficiários é razão para nos sentirmos envergonhados. Significa que estamos a falhar no nosso dever de cidadãos, de promover o mínimo de condições aos indivíduos mais desfavorecidos na sociedade.

Está a haver um debate em torno da eficácia das medidas de apoio social. Em relação ao RSI, qual a sua opinião?

Todos os estudos feitos indicam que é extremamente eficaz naquilo que é o seu objectivo: reduzir a intensidade da pobreza. Não deixa de ser curioso que o próprio FMI tenha analisado as várias medidas de apoio social e concluído que não se ganha nada com o corte do RSI. Mais: o relatório diz que não há grandes questões sobre a quem se dirige a medida.

Mas não pode haver melhorias?

É sempre possível melhorar. Uma das grandes limitações da política de combate à pobreza tem sido a pobreza infantil, cuja taxa se mantém praticamente inalterada desde o início dos anos 90. Para aumentar a eficácia do combate à pobreza temos de tomar medidas neste campo, seja através do RSI, seja através de outra medida. Talvez devêssemos ter uma política específica para as crianças, semelhante ao Complemento Solidário para Idosos. Mas o que tem sido feito vai no sentido oposto. Um relatório recente da Cáritas mostra que quem está a sofrer mais com a crise são as crianças.

O RSI representa 1,6% da despesa da Segurança Social. Como compara este valor com outros países?

É um dos sistemas mais baratos a nível europeu. Quando se olha para uma família e ela recebe 50% da linha de pobreza, temos noção de como os valores são baixos. E o que geralmente acontece noutros países, em que há uma despesa tão baixa como a nossa, é que há outros programas mais generosos a montante, que não existem em Portugal. No Reino Unido, o valor do equivalente ao RSI até pode ser baixo, mas há uma série de programas sociais antes do RSI que resolvem uma parte significativa dos problemas.

Aproxima-se o plano de redução de 4 mil milhões na despesa pública. Pode haver mais cortes no RSI?

A partir de certa altura, já não há mais onde cortar. Quando falamos no RSI, o valor médio por beneficiário não chega a 100 euros por mês. Não é com isto que se resolve o problema do défice, o contributo é insignificante. O que mais temo, com as novas medidas, é que haja uma redução do acesso a serviços públicos para pessoas que não têm alternativa. Basta pensar nas taxas moderadoras, no acesso aos medicamentos. Receio que possa haver um aumento da pobreza por essa via, pelas restrições no acesso a bens e serviços públicos de primeira necessidade. Já temos muitas pessoas a não ir ao médico porque não têm dinheiro, ou a tomar os medicamentos apenas dia sim, dia não.