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O Reitor da Universidade de Lisboa criticou hoje a "bebedeira de Europa" que o país viveu e defendeu que "não há nada mais urgente do que uma visão de futuro", virada para a terra e o conhecimento.
Num discurso durante a cerimónia de comemoração do 39.º aniversário da Associação de Deficientes das Forças Armadas (ADFA), António Sampaio da Nóvoa, convidado de honra da instituição, teceu críticas "à bebedeira de Europa" em que alguns viveram e aos desequilíbrios causados pelo processo de integração europeia.
O professor catedrático citou um texto de Vitorino Magalhães Godinho, escrito nas vésperas da entrada de Portugal na União Europeia, para ilustrar a sua visão crítica.
"É preciso assentar o desenvolvimento de Portugal na identidade cultural que os séculos cimentaram e isso implica a limitação à dependência económica em relação ao exterior, e portanto reduzir drasticamente o endividamento externo, não escancararmos o país à penetração de capitais estrangeiros e não julgar que nos desenvolveremos importando tecnologias feitas. Ouvimos Magalhães Godinho? Não, não ouvimos", afirmou.
Neste contexto, António Sampaio da Nóvoa criticou também a predominância crescente das questões económicas e financeiras e a "submissão à dependência de um mundo desigualmente globalizado, de uma Europa desequilibrada, num jogo de poderes em que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres".
"Parecíamos vítimas de uma bebedeira de Europa, feita de carros e autoestradas, de casas, empréstimos e consumos, de dinheiro fácil, de fundos de investimento na bolsa, nas ações e nessa parafernália que se foi vulgarizando por aí de contratos futuros, mercados de derivados, maturidades, ‘ratings', ‘bonds', ‘eurobonds' e ‘swaps'", declarou.
"Depois das especiarias da Ásia, depois do ouro do Brasil, depois das ilusões do império, viriam agora os povos do norte salvar-nos e fazer de nós ricos, durou pouco esta ilusão, a ilusão da riqueza fácil que logo se transformou no lamento da pobreza dura, da pobreza difícil, insuportável mesmo. Investimos na nossa independência, como pedia Vitorino Magalhães Godinho? Não, não investimos", acrescentou.
Na opinião de Sampaio da Nóvoa, "é tempo de mudar de vida": "Tempo de mudar de vida e olhar para o nosso território e investir, como dizia Pascoaes, neste bocado de terra em que nascemos, porque um povo que nada cria, um povo que nada produz, se ainda lhe resta alguma independência, cedo ou tarde a perderá".
O professor universitário, doutorado em Ciências da Educação e em História, defendeu que é preciso "uma revolução" que vire o país "por inteiro para a terra e para o conhecimento", porque "não há nada mais urgente do que uma visão de futuro".
"Se formos capazes de ligar a terra e o conhecimento e neste esforço investir todas as energias, poderemos então afirmar a nossa independência, independência que não quer dizer isolamento, mas sim relação de igual para igual entre países, se não formos capazes ficaremos para sempre dependentes de outros interesses, de interesses alheios, de outras realidades e de outros países", sustentou.
Num discurso onde citou nomes da literatura portuguesa como Sophia de Mello Breyner, António Sérgio, Miguel Torga, Eça de Queiroz ou Alexandre O'Neill, o Reitor da Universidade de Lisboa considerou que quando se olha para a História de Portugal, o que "mais impressiona é a fragilidade" e deixou também algumas críticas implícitas à gestão do país no atual momento de crise.
"Sejamos claros, os sacrifícios pedem-se e os sacrifícios fazem-se, mas hão de ser sempre em nome dessa base concreta, material e espiritual, hão de ser sempre em nome da dignidade, sem a qual a liberdade não existe", afirmou durante a sua intervenção, que no final recebeu aplausos de pé de grande parte dos presentes no auditório da ADFA.


