Por Rosa Soares, in Público on-line
À Deco, associação de defesa do consumidor, chegaram durante o ano passado 18.233 reclamações sobre crédito à habitação, grande parte delas relacionada com a decisão dos bancos de agravar os spreads aos seus clientes.
De acordo com fonte oficial da Deco, as questão relativas ao aumento do spread - a margem comercial do banco que é somada à taxa Euribor, formando a taxa de juro final - continua a dominar cerca de 50% das reclamações. Boa parte dessas queixas prende-se com o incumprimento de cláusulas dos contratos, como a obrigatoriedade de manter contas ordenado ou utilizar o cartão de crédito, entre outros produtos. Mas há também um crescente número de situações que se prendem com situações de divórcios (passagem do contrato apenas para um dos titulares do empréstimo). E quando os clientes pretendem renegociar os contratos, com vista a reduzir a prestação (alargando o prazo e criando prazos de diferimento de capital e juros), alguns bancos também impõem como condição o aumento da sua margem comercial.
As alterações do spread representam um verdadeiro braço-de-ferro entre muitos clientes e as instituições financeiras, que pretendem, sempre que podem, actualizar a margem comercial, de forma a compensar a queda brutal das taxas Euribor, a que estão associados a quase totalidade dos empréstimos à habitação em Portugal. Algumas das actualizações são feitas para valores muito elevados e ao arrepio da legislação, como revela um caso apresentado ao PÚBLICO por um cliente do Millennium BCP.
Actualmente, está em discussão na Assembleia da República um conjunto de propostas que visa ajudar as famílias excessivamente endividadas, em situações de desemprego ou com redução de rendimentos, a manter os créditos à habitação, ou a entregar as casas aos bancos e com isso libertarem-se das dívidas. Algumas das propostas pretendem proibir a alteração de spreads em casos de divórcio, em caso de renegociações de contratos com vista a fazer descer a prestação do empréstimo para níveis comportáveis com o rendimento da família, ou ainda, quando, em situações específicas, o detentor do crédito decide arrendar o imóvel.
Para além das propostas que estão em discussão, a Deco e a Sefin defendem a introdução de outras alterações, de forma a defender os consumidores. A este nível, a Deco defende a criação de limites, ou taxas máximas no crédito à habitação, como acontece no crédito ao consumo, em que o Banco de Portugal fixa periodicamente uma taxa, a partir da qual se considera a prática de usura.
Esta posição assenta no facto de os bancos estarem actualmente a praticar spreads máximos que já superam os 7% e mínimos que na maioria dos bancos estão acima dos 2%. Os valores dos spreads são fixados pelos bancos e, em muitos casos, os clientes não estão em condições de os contrariar. Estas margens anulam o efeito positivo que agora se verifica nas taxas Euribor, que estão em níveis historicamente baixos. As Euribor a três e seis meses estão em mínimos históricos, em 0,442% e 0,726%, respectivamente.
Sefin quer cláusulas gerais
A Sefin, associação portuguesa dos utilizadores e consumidores de serviços e produtos financeiros, congratula-se com o consenso que se está a verificar entre todos os partidos para alterar vários pontos do regime de crédito à habitação. Em declarações ao PÚBLICO, Leonor Coutinho defende a necessidade de várias cláusulas dos contratos à habitação serem consideradas "cláusulas gerais", consagradas em legislação recente, que transpõe para o direito nacional a Directiva Comunitária n.º 93/13/CEE.
São cláusulas contratuais gerais aquelas que são elaboradas sem prévia negociação individual e que, por isso mesmo, têm de ser equilibradas. Leonor Coutinho defende que boa parte das cláusulas dos contratos à habitação, designadamente as que se referem às elevadas penalizações pelo não cumprimento de determinadas condições, não é previamente negociada com o cliente e é desequilibrada.