Artur Coimbra, in Correio do Minho
“Entre os europeus, portugueses são os que dão pior nota ao seu país”, lê-se, em título, numa notícia do Público (21 de Setembro). A nota referia, em subtítulo, que ”quase 70% dos portugueses de classe média dizem que o seu nível de vida piorou no espaço de um ano”.
Que os portugueses, nos dias de hoje, dão péssima nota ao seu país, é uma asserção que não constitui qualquer surpresa, tão evidente se apresenta. É “óbvio ululante”, como diria o grande jornalista Baptista Bastos, quando colaborava há largos anos, acutilantemente, neste mesmo diário.
O país está numa profunda depressão, a nível económico, social, cultural, mental. Todos concluímos nesse sentido, pela experiência do quotidiano, nas conversas da rua, do café, do mercado, da família. Pelo que “vemos, ouvimos e lemos” e não podemos ignorar.
Nem poderia ser de outro modo num país que tem um governo cuja agenda passa, deliberadamente, pelo empobrecimento generalizado da classe média, a pretexto do cumprimento do “memorando de entendimento” estabelecido com a troika, que há muito foi subvertido. O que o governo diz hoje que é o memorando nada tem a ver com o documento que foi assinado há um ano e meio, pelo executivo anterior.
As metas apresentadas visam o esmagamento, seja por corte de salários ou de pensões, seja por confisco fiscal, de quem ainda tem algum poder de compra. Porque os pobres estão isentos de todos os tributos e os ricos passam no crivo dos impostos, pagando menos, percentualmente, que os trabalhadores por conta de ou-trem, o que não deixa de ser revoltante. Alem da reiterada estratégia de “branqueamentos” e evasões fiscais de que são peritos, com toda a impunidade!...
Como poderia dar boa nota ao seu país um povo permanentemente agredido na sua dignidade, na sua qualidade de vida, na sua esperança? Um povo triste, desencantado, sem perspectivas presentes e futuras, perante um país que este governo quer destruir nos seus fundamentos, na sua constitucionalidade, no seu “Estado Social”, nas suas conquistas adquiridas ao longo de mais de trinta anos, depois do glorioso 25 de Abril de 1974?
Como pode dar boa nota ao seu país um povo que tem no seu seio mais de 800 000 desempregados, de entre os quais quase meio milhão não recebe subsídio e depende da caridade alheia, supremo estádio da humilhação pessoal e familiar?
Que boa nota pode ter um país com mais de 2 milhões de cidadãos no limiar da pobreza?
Que justiça pode haver num pais com os pobres cada vez mais pobres, os remediados a caírem diariamente no lodaçal da “nova pobreza”, as instituições de solidariedade social sem capacidade de resposta para acudir a tanta miséria e os ricos cada vez mais ricos: um Alexandre Soares dos Santos, presidente do conselho de administração da empresa Jerónimo Martins, por exemplo, r egistou uma subida de 8% na sua fortuna entre 2011 e 2012, para uns escandalosos 2070 milhões de euros?!...
Como pode dar boa nota ao seu pais um povo que se vê cada vez mais pobre, desesperado, espoliado por um governo sem alma e uma troika abominavelmente exploradora, que empresta 78 mil milhões e exige de juros quase um terço do que empresta, sem que ninguém os tenha no sítio para contestar o esbulho?
E ainda se admiram das manifestações gigantescas que começam a surgir e das que despontarão, seguramente, quando o povo seguir os conselhos dos governantes para saírem da sua “zona de conforto” e encherem as ruas de justos, genuínos e autênticos protestos, numa demonstração de que a democracia não se esgota no rotineiro exercício de depositar o seu voto de quatro em quatro anos, tantas vezes em quem o não merece, em quem não cumpre o que promete e em quem subverte totalmente as promessas que faz nas campanhas eleitorais!...
Como pode o povo dar boa nota a um país em que, enquanto os trabalhadores são explorados, trabalham cada vez mais por menos dinheiro, os patrões e até o Estado oferecem ordenados chocantemente vergonhosos a jovens licenciados, os nossos governantes e os deputados não são capazes de dar o exemplo, como tantos outros colegas seus de países em crise dão: baixar os seus ordenados, as suas mordomias principescas, os seus subsídios de deslocação (que ninguém mais tem), quando têm casa em Lisboa, as suas astronómicas ajudas de custo, que os outros cidadãos suportam dos seus magros ordenados?
Como pode um povo aceitar que, enquanto já reina a fome e a miséria pelo país, com crianças que vão para a escola sem qualquer alimento e famílias que não conseguem fazer face ao dia a dia, os deputados (todos os deputados, de todas as bancadas, de todos os quadrantes políticos e partidários, num unânime regabofe) tenham ganho mais 2 500 euros em 2011 do que no ano anterior, desfrutem de dois meses de férias que mais ninguém tem e tenham tido o desplante de não abdicar dos seus subsídios de férias e de Natal, em 2012, quando os servidores públicos e os reformados se viram deles espoliados?
E ainda se queixam do divórcio crescente que se rasga entre os eleitores e a classe política. Do desprestígio e descredibilização dos políticos. Do crescente alheamento do povo perante a “coisa pública”. Da revolta perante o discurso que produzem e a prática que o desmente. Do regime que, lamentavelmente, põem em causa com as suas aldrabices, as suas mentiras, a sua demagogia, a sua ausência de exemplo!..
Em democracia, se é para “ajustar”, quer dizer, cortar, empobrecer, expropriar, é para todos: cidadãos, deputados e governantes.
E os cidadãos são os que menos culpa têm de todos os “buracos” que se foram cavando no país, ao longo dos anos. Pagam o que não devem. É forçoso que os que devem, também paguem!...