por Pedro Rios, in RR
“É urgente mudar de rumo”, disse o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, na Semana Social.
O Governo falha na execução dos objectivos do memorando da troika, mas diz que “o exame foi um sucesso”. O presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) conclui: “O que interessa não são os objectivos; o que interessa é o processo e, portanto, nós vamos continuar no processo”.
Alfredo Bruto da Costa, que falava numa sessão da Semana Social, que decorre no Porto, diz que “é urgente mudar de rumo”. “A vida dos povos é demasiado séria para andarmos às experiências, às teimosias ou com crenças ideológicos de resultados mágicos”, alertou.
“Austeridade sem crescimento gera um ciclo vicioso em que já nos encontramos”, diagnosticou.
“Os objectivos obtidos até agora revelam um falhanço e, não obstante, o Governo persiste no mesmo caminho, mais duramente ainda em 2013 e sem qualquer garantia que as coisas sejam diferentes do que em 2012, antes pelo contrário”, disse o especialista em pobreza e exclusão social.
Quatro crises em Portugal
Na análise do antigo ministro da Coordenação Social e dos Assuntos Sociais, há quatro crises acumuladas em Portugal.
À “primeira crise”, a dos indicadores financeiros (défice público, dívida pública, défice externo), somou-se uma segunda crise, provocada pelas medidas de combate à primeira.
Seguiu-se uma “terceira crise”, uma “crise política que está no facto de os responsáveis políticos não valorizarem suficientemente a segunda crise”, e uma quarta, com “os responsáveis políticos a procurarem resolver a primeira crise com uma política que não atinge os objectivos”.
A situação “faz apelo” à “cultura de serviço” da Igreja e a “proposta de um estilo de vida verdadeiramente mais humano e portador de uma felicidade mais autêntica”, que abandone um modelo “individualista” de felicidade, disse Bruto da Costa.
O “pecado da inevitabilidade”
Também participante da sessão "A crise e a esperança: o papel da Igreja – orientação e proximidade”, Manuela Silva, membro da Comissão Nacional de Justiça e Paz, “o grande pecado deste momento é o da inevitabilidade, da imobilidade”.
“Pelo contrário, temos que criar mais espaços de liberdade onde possam surgir novas ideias”, apelou a professora jubilada do ISEG.
“É uma crise que foge ao controlo do poder político. Muitas vezes continuamos a pedir responsabilidades ao poder político, mas é uma crise que vai para além disso. O próprio poder político é capturado facilmente pelo interesse dos grandes grupos financeiros”, referiu.
“Estamos no fim de um ciclo deste modelo capitalista, mas ainda não conseguimos fazer emergir uma realidade diferente. Ela vai ter que emergir. Então, sejamos obreiros dessa realidade”, disse.
Cristãos não têm direito “à não esperança”
O jornalista Francisco Sarsfield Cabral apontou para os riscos da “estratificação social”, à maneira do século XIX: “Os ricos vivem nos condomínios fechados, ignoram os pobres. Há uma separação cada vez maior e uma ignorância recíproca cada vez maior”.
O comentador de economia da Renascença elogiou o trabalho das instituições particulares de solidariedade social, cujo trabalho “muitas vezes se ridiculariza como caridadezinha”, e defendeu uma “discriminação positiva dos mais pobres” nos apoios do Estado, dada a “situação de emergência”.
Neste contexto, Sarsfield Cabral destacou o pioneirismo da Doutrina Social da Igreja. “Hoje em dia, se queremos ver uma voz autorizada a defender o enquadramento político da globalização é na Igreja que a encontramos”, disse. “Como cristãos não temos direito à não esperança”.