5.11.12

Pobreza, desigualdade e outras pieguices

Rui Peres Jorge, Negócios on-line

Sbe quantas vezes aparecem escritas as palavras "desigualdade" ou "pobreza" nos documentos trimestrais com que Governo e troika moldam Portugal? Zero. Apesar de elas serem duas das dimensões mais dramáticas desta crise não são sequer referidas, quanto mais analisadas.

Ao desprezá-las, o Executivo está não só a fazer má política económica: está a desafiar o princípio da boa-fé que tem de conduzir as políticas públicas.

Entre 2011 e 2013, o número de desempregados em Portugal aumentará perto de 30%, passando a afectar mais de 900 mil pessoas. O Governo responderá com a cobrança de uma "taxa social" de 6% a desempregados que se aplicará mesmo a rendimentos de 400 e tal euros. Em dois anos o Governo terá cortado em toda a linha: pensões, rendimento social de inserção, subsídio de doença, complemento social para idosos. E para 2014 e 2015 estão previstos cortes na despesa de 4 mil milhões de euros: o equivalente a acabar, de uma vez, com o subsídio de desemprego e todos os apoios ao emprego, com o subsídio de doença, o abono de famílias e o RSI.

Estes dados chegariam para nos deixar preocupados. Acontece que Portugal não é só um dos países mais endividados da Europa. É também um dos mais pobres e desiguais. Ainda antes do início do programa de ajustamento, mais de dois milhões de portugueses eram pobres: arranjavam a sua vida com menos de 420 euros por mês e trabalhavam menos de 20% do horário possível. As razões da sua amargura são aumentadas por viverem num país que, segundo Eurostat, é dos mais desiguais de toda Europa.

As políticas que vêm sendo adoptadas tornam inevitável que a pobreza e a sua intensidade aumentem. A desigualdade também. A análise a estes impactos deveria por isso ser elementar num violento e exigente programa de ajustamento. E nem é só por razões sociais e éticas. Cada vez mais estudos, incluindo alguns publicados pelo FMI, mostram que a pobreza e a desigualdade roubam ao crescimento e ao desenvolvimento de uma sociedade.

Não se percebe como em dois anos de ajustamento, Governo e troika não encontraram tempo nem interesse para esta avaliação num dos países mais pobres da Europa. Este esquecimento pode ter consequências dramáticas, revelam trabalhos recentes de dois académicos portugueses.

Carlos Farinha Rodrigues, professor do ISEG, tem em vários estudos criticado o impacto das reformas nas prestações sociais por serem dominadas por critérios que em nome da eficiência atiram pessoas para a pobreza. Foi o caso da reforma de 2010