7.12.12

Nascimentos em Portugal, uma catástrofe anunciada

Por Lígia Amâncio, in Públio on-line

Nesta discussão ignora-se frequentemente uma cultura marcada pela hostilidade em relação à parentalidade e pela ausência de apoio à família, como se o assunto apenas a ela dissesse respeito.

NatalidadeCada ano que passa registam-se menos nascimentos em Portugal. Explicações simplistas e centradas no presente, que domina os debates da actualidade, dirão que isso se deve à crise. Mas apesar das circunstâncias actuais, este não é um fenómeno conjuntural. A descida é constante desde a década de 1980 e não foi invertida mesmo em períodos de melhoria das condições de vida da população.

Importa, por isso, reflectir sobre outras razões para esta acentuada perda de nascimentos cujos efeitos a médio prazo já não é possível ignorar. Tanto mais que o desejo de ter filhos está presente nos projectos dos jovens e a família ideal continua a ser associada à existência de crianças, como mostram alguns inquéritos sociológicos.

Nesta discussão ignora-se frequentemente uma cultura marcada pela hostilidade em relação à parentalidade e pela ausência de apoio à família, para além dos apoios fornecidos pela própria família, como se o assunto apenas a ela dissesse respeito, e que se foi instalando à vista de toda a gente.

Face à brutal desregulação do mundo do trabalho a que se assiste actualmente e perante a evolução do passado recente, é legítimo perguntar onde se vai encontrar a capacidade produtiva e criativa do país daqui a umas décadas. Porque um país sem crianças é um país sem futuro.

Nas cidades, apesar do aumento dos parques infantis nos jardins públicos, um carrinho de bebé ainda tem que disputar o passeio com os automóveis e as distâncias entre a casa, o emprego e o infantário ou a escola impõem uma correria permanente. A resposta dos Governos, embora lenta, também revelou algum esforço: foi preciso esperar pela década de 1990 para surgir a licença de paternidade paga e pela década seguinte para assistir ao alargamento do pré-escolar.

Do lado do mundo do trabalho, pelo contrário, a pressão não parou de aumentar, sujeitando as mulheres a interrogatórios indecorosos sobre a sua intimidade e despedindo-as ou negando-lhes um posto de trabalho se estavam grávidas. Para as que têm emprego, a decisão de gozar a licença de maternidade, vista como uma espécie de direito à preguiça, é geradora de mau ambiente no trabalho ou ameaças à sua carreira, como se cuidar de um recém-nascido não fosse um direito consagrado na lei e um dever cívico. Pressão idêntica é exercida sobre os homens, acrescida de piadas sobre a sua virilidade, quando ousam assumir a responsabilidade do papel de pais e usufruir da licença a que têm direito. Face a estas pressões, as mulheres vão adiando os projectos de maternidade, assim desafiando a probabilidade de surgirem problemas de infertilidade.

Mas este é também o país onde se continua a afirmar que uma família só pode ser constituída por um homem e uma mulher e, além disso, casados, condições impostas às mulheres inférteis que pretendam aceder à procriação medicamente assistida, mesmo que estejam fortemente motivadas para a maternidade e tenham condições para a assumir. Em contrapartida, não se vislumbra qualquer preocupação pela forma como, ao longo dos últimos anos, o trabalho foi invadindo a vida familiar, retirando-lhe tempo de partilha, segurança económica e projectos de futuro.

Face à brutal desregulação do mundo do trabalho a que se assiste actualmente e perante a evolução do passado recente, é legítimo perguntar onde se vai encontrar a capacidade produtiva e criativa do país daqui a umas décadas. Porque um país sem crianças é um país sem futuro.

Psicóloga social e professora catedrática do ISCTE