20.5.13

Adiou reforma para ajudar país e agora não recebe nada

Miguel Gonçalves, in Jornal de Notícias

Um antigo piloto de helicópteros de combate a incêndios está sem pensão de velhice há sete meses. Para "fazer um jeito ao país", que tem falta de especialistas na sua área, Joaquim Ascenso, de 66 anos, aceitou adiar o início da sua reforma de 16 de agosto para 1 de novembro de 2012.

Com este adiamento, assegurou, ao serviço da EMA-Empresa de Meios Aéreos, SA., a cobertura da época mais crítica de fogos em Portugal. No final de outubro, cessou o vínculo à sociedade de capitais públicos e aposentou-se. Até ao presente, a Segurança Social não pagou um único cêntimo da reforma.

"É muito injusto e está a deixar-me sem forma de subsistir, uma vez que estou a gastar e a acabar com as economias de uma vida. O único rendimento que tenho, para fazer face aos encargos que assumi a contar com a pensão de velhice a que tenho legalmente direito, é o da Cruz de Guerra, que representa cerca de 400 euros/ mês", afirma Joaquim Ascenso, que vive em Santa Comba Dão.

Dada a especificidade da sua profissão, Joaquim, que conta com mais de 40 anos de descontos para a Caixa Geral de Aposentações, tinha direito a reformar-se aos 60 anos. "Não quis. Sentia-me com forças para continuar a trabalhar, pelo que não fazia sentido viver à custa da Segurança Social, prejudicando os interesses do meu país. Com 60 anos e um dia (2 de maio de 2007), saí do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) e comecei a trabalhar na EMA. Hoje, face ao desprezo a que estou a ser sujeito por parte da Segurança Social, perguntome se não terei feito mal ao abdicar, há cinco anos, da pensão de velhice..."

Joaquim Ascenso garante que deu entrada "com toda a papelada exigida pela Segurança Social para a obtenção da pensão de velhice" e que "tudo foi feito nos prazos legais e devidamente validado". Contudo, apesar de "insistentemente solicitar informações", ninguém lhe sabe dizer quando começa efetivamente a receber as mensalidades.

"Dizem que o meu caso é complicado. Como, ao contrário de outras profissões, eu não posso ser piloto na condição de reformado, tenho direito a uma bonificação. E é esse cálculo do valor da pensão, dizem eles, que está a atrasar o processo", explica Joaquim, revelando que lhe propuseram avançar desde logo com o pagamento de um valor "calculado por alto" e depois fazer o acerto após "contas bem feitas".

"Mas, até agora, nem por alto, nem por baixo. Nada!", lamenta.

Ao JN, fonte do Instituto da Segurança Social (ISS) confirmou o essencial dos factos descritos pelo antigo piloto da EMA, reconhecendo que o caso não é "simples".

O maior problema parece estar não no cálculo da reforma, mas, sim, no facto de Joaquim ter trabalhado para além dos 65 anos de idade. "Uma vez que o Decreto-Lei n.B 322/2007, de 27 de setembro, fixa que só podem exercer funções de piloto até atingirem os 65 anos e o beneficiário exerceu funções já depois de ter completado essa idade, o ISS deparou-se com uma incompatibilidade de situações, pelo que solicitou esclarecimentos ao INAC", explica a nossa fonte do ISS, que aguarda por resposta para tomar uma decisão.

Condecorado com a Cruz de Guerra

Em Portugal, apenas 273 ex-combatentes da guerra colonial, ao serviço da Força Aérea, foram condecorados com a Cruz de Guerra, que premeia atos e feitos de bravura praticados em campanha. Joaquim Ascenso é um deles, mas não gosta de recordar esse tempo.

Lembra-o, apenas, para, somando esse facto aos anos que dedicou ao combate a incêndios, "com prejuízos pessoais e familiares irreversíveis", reivindicar um tratamento do Estado "mais justo e célere" e, diz o ex-piloto, "condizente com o sentido patriótico e de dedicação sem limites que sempre emprestei à nação".

"Fui distinguido, em tempos que não quero recordar, por serviços excecionais relevantes em prol da pátria. Agora, volto a abdicar de comodidade pessoal - adiando o início da reforma - para, mais uma vez, servir os superiores interesses do meu país.

Fiz o favor de combater fogos e estou a ser penalizado/ prejudicado por isso, pagando uma fatura muito elevada", afirma o antigo piloto da EMA.

Joaquim Ascenso diz que "esta embrulhada é o espelho do país. Ninguém se entende".