Pedro Silva Pereira, in Económico on-line
Os números divulgados pelo INE sobre o dramático agravamento da pobreza retratam uma situação de verdadeira tragédia e de gravíssimo retrocesso social. Travar esta estratégia de empobrecimento deixou de ser apenas uma urgência política: tornou-se um imperativo moral.
Comecemos por desfazer um equívoco: este empobrecimento não era inevitável. Convém lembrar que os dados revelados pelo INE se referem aos rendimentos dos portugueses no ano de 2012, precisamente o ano em que o Governo foi mais longe na sua opção por uma austeridade "além da troika". Na verdade, esse foi o ano em que o Governo decidiu aplicar 9,6 mil milhões de euros de medidas de austeridade, duplicando o valor previsto no Memorando inicial da ‘troika' (4,8 mil milhões). Essa brutal diferença, que alguns teimam em desvalorizar, materializou-se num vasto pacote de medidas de austeridade que não constavam do Memorando negociado pelo Governo do Partido Socialista. Foi assim que se adoptaram medidas muito duras e até inconstitucionais (viabilizadas, aliás, com a conivência do Presidente da República), como o não pagamento de dois meses de salários e pensões aos funcionários públicos e aos reformados.
Acontece que esta política de austeridade reforçada teve graves consequências. Já se sabia que foi uma opção trágica para a economia e para o emprego, conduzindo a uma recessão muito mais profunda (-3.2% do PIB) e a um desemprego muito mais alto (15,7%) do que estava previsto. Mas faltava ainda saber o impacto da "estratégia de empobrecimento" no empobrecimento propriamente dito. Os resultados agora divulgados são elucidativos sobre o real significado do "sucesso" de que falam Passos Coelho e Paulo Portas.
Os factos são estes: apesar da linha de limiar da pobreza ter baixado de 416 para apenas 409€ mensais, a taxa de risco de pobreza aumentou num único ano de 17,9% para 18,7%, valor que já não se registava desde 2004 (último ano em que a direita esteve no poder). Se mantivermos como referência o limiar de pobreza aplicável em 2009, o resultado é ainda pior: a taxa real de pobreza sobe para 24,7%, agravando-se mesmo entre os idosos (de 20,1% para 22,4%), sendo que só no biénio de 2011-2012 houve 350 mil pessoas que entraram em situação de risco de pobreza.
Mais grave, porém, é que os pobres estão cada vez mais pobres: o indicador de intensidade da pobreza teve um agravamento abrupto em 2012 (subindo de 24,1 para 27,3%) e o mesmo sucedeu com o indicador de pobreza material severa (que subiu de 8,6 para 10,9%). Se tivermos apenas em conta os rendimentos monetários, verificamos que o número dos que vivem com menos de 409 euros aumentou em 85 mil pessoas mas o número de pessoas a viver com menos de 272 euros aumentou em 160 mil. Não menos preocupante é o aumento significativo da taxa de risco de pobreza entre os desempregados (que subiu de 38,4 para 40,2%) e das famílias com filhos (que atinge agora 22,2%). E tudo isto no preciso momento em que a política de corte nas prestações sociais fazia diminuir o contributo das transferências sociais (excluindo pensões) para a redução do risco de pobreza.
Quanto às desigualdades, a evolução não é menos negativa: a diferença de rendimentos entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, que tinha diminuído substancialmente entre 2005 e 2010, de 11,9 vezes para 9,4, subiu em 2012 para 10,7, regressando a níveis semelhantes aos que se registavam em 2006.
Os dados são inequívocos e mostram que a política do Governo se transformou numa tremenda fábrica de fazer pobres. Em apenas ano e meio, esta absurda "estratégia de empobrecimento" provocou um duplo retrocesso social, de proporções gigantescas: um retrocesso de seis anos no combate às desigualdades e um retrocesso de oito anos no combate à pobreza. Chegou a altura de parar com isto e deixar de andar para trás.