Alexandra Campos, in Público on-line
Com o fim dos apoios da Segurança Social para o transporte de pessoas, há "no dia-a-dia relatos mais ou menos dramáticos" de situações concretas.
O director-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), João Goulão, está preocupado com o aumento das recaídas nos heroinómanos, com o elevado consumo de cannabis e com o recurso ao álcool para alívio do sofrimento. Sobre as mudanças que se perspectivam nesta área, admite que, se o modelo integrado que defende for posto em causa, será necessário encontrar outro responsável.
Criado há dois anos, o SICAD veio substituir o antigo Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), e as competências de intervenção passaram para as administrações regionais de saúde (ARS). Esta mudança foi criticada, até por si. Como é que as coisas estão a funcionar?
O IDT era um serviço que funcionava bem, dava resposta à população. A minha leitura, na altura, foi a de que estaríamos a introduzir factores de perturbação. O grande receio era o de que, na sequência da integração dos profissionais nas ARS, a capacidade de resposta ficasse comprometida. Mas, na prática, isso não aconteceu.
De acordo com os últimos dados disponíveis, de 2012, verificou-se uma redução nos tratamentos, mas as recaídas aumentaram substancialmente…
De acordo com os resultados do último inquérito à população, houve uma diminuição do consumo de substâncias ilícitas em geral. O único sinal de alerta dos últimos anos tem a ver com as recaídas dos consumidores de heroína sobretudo. As readmissões relacionadas com heroína passaram de médias que variavam entre 700 e 800 por ano para 1352 em 2011 e 2418, em 2012. Até Setembro do ano passado, foram 906, mas ainda nos faltam os dados globais. Portanto, houve uma relativa estabilidade durante uma série de anos, depois assistimos a um pico em 2011 e 2012 e 2013 também estará acima da média. Há igualmente um aumento em relação à média de anos anteriores [menos de 70] nas readmissões de consumidores de cocaína (215, em 2012, e 106, até Setembro de 2013). E as readmissões por consumo de cannabis foram 148, em 2012, e 93, até Setembro passado. Tudo isto reflecte aumentos de consumo, mas também a confiança nos serviços.
Como é que tem sido possível dar resposta a este aumento de procura?
Como as primeiras consultas não têm subido, tem havido capacidade de absorver estas readmissões.
O recrudescimento do consumo da heroína não é um sinal de que a crise económica está a ter impacto?
Estas coisas são sempre multifactoriais, é difícil estabelecer uma relação de causa e efeito. Era antecipável que uma camada tradicionalmente marginalizada fosse particularmente atingida. O recrudescimento do consumo de heroína tem a ver com a recaída de antigos consumidores, em muitos casos com idade avançada. Muitos tinham conseguido organizar a sua vida, constituir família, arranjar casa. Só que estão na primeira linha da fragilidade social.
Definiu em tempos a heroína como “o inimigo público número um”. Qual é hoje a grande ameaça?
A droga que mais efeitos devastadores causou foi a heroína. Não temos neste momento um “inimigo público” com o grau de ameaça que a heroína constitui. Há outras substâncias que nos preocupam, como a cannabis, que goza ainda de uma aura de inocuidade e de grande aprovação social, mas tem um potencial psicotrópico muito mais violento do que acontecia há 20 anos, porque há modificações na sua produção, e a capacidade de interferir com mecanismos cerebrais e de criar situações de dependência é muito maior.
O presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia disse há duas semanas que está a aumentar o consumo de bebidas alcoólicas destiladas e que a crise pode agravar os consumos, sobretudo os mais perigosos.
Não é possível afirmar isto com base em estatísticas consolidadas. O último inquérito aos consumos em geral foi feito em 2012. Agora, quem está na primeira linha do atendimento tem esta percepção. As pessoas consomem substâncias por um de dois motivos: ou para potenciar o prazer (caso da cocaína, de determinados tipos de álcool, das novas substâncias psicoactivas), ou para aliviar o desprazer, o sofrimento, e aí temos a heroína e o álcool distribuído ao longo da semana com consumos excessivos. Há pessoas a beber um pouco todos os dias para estarem permanentemente anestesiadas. É o que está a acontecer, de acordo com as impressões que vêm do terreno. Mas isso verifica-se com os psicotrópicos todos, os tranquilizantes, os antidepressivos. É uma espécie de automedicação para a ansiedade.